quarta-feira, 9 de abril de 2014

Garantia a direito fundamental à vida do nascituro ou violência obstétrica?


Em um caso que teve repercussão nacional, a juíza de Direito Liniane Maria Mog da Silva, atuando em Plantão na Comarca de Torres, determinou o encaminhamento de gestante ao hospital local para atendimento médico adequado. A decisão, do dia 31 de março, chamou atenção porque após a realização do parto os pais manifestaram desacordo com o procedimento adotado – uma cesariana.
A decisão foi tomada com base no pedido do Ministério Público, que ajuizou medida de proteção requerendo a condução coercitiva da mulher ao hospital para atendimento, inclusive com a realização do parto por cesariana, se necessário na avaliação dos profissionais, pois o bebê estaria sentado dentro do útero. Ao comparecer antes ao hospital, a gestante havia se recusado a submeter-se ao procedimento, insistindo em ganhar o filho de parto normal.
Ao analisar o caso, a magistrada considerou que para resguardar a vida e a integridade física do nasciturno, o relatório de prescrição/evolução, o boletim de atendimento médico e os demais documentos apresentados apontavam a necessidade de intervenção estatal para encaminhar a demandada ao Hospital Nossa Senhora dos Navegantes.
Confira abaixo entrevista da magistrada concedida ao Departamento de Comunicação da AJURIS sobre o caso.
 A senhora baseou a decisão em quais informações contidas na ação cautelar do MP?
A decisão teve por base a informação constante da inicial de que a gestante havia procurado o hospital, já em início de trabalho de parto, sendo constatado que havia risco de morte iminente para o bebê e para a mãe, caso não houvesse atendimento médico de urgência, entretanto, a genitora havia deixado o local, assinando um termo de responsabilidade, juntamente com sua acompanhante. O pedido ministerial veio acompanhado dos prontuários médicos da gestante.
Na decisão consta expressamente que deveria ser adotada a cesariana?
Não. Na decisão consta que a gestante deveria ser encaminhada ao hospital para receber “o atendimento médico adequado para o resguardo da vida e integridade física do nascituro, inclusive com a realização do parto por cesariana, se essa for a recomendação médica no momento do atendimento”.
Algumas pessoas estão questionando o horário em que a gestante foi buscada em casa e a presença da polícia. Como a senhora explica isso? 
Devido à urgência do caso, o Ministério Público teve que ajuizar a medida de proteção em favor do bebê em horário noturno. Tão logo recebido o pleito, foi prolatada decisão, que, conforme os autos, foi exarada às 23h30min do dia 31 de março. Na sequência, o oficial escrevente plantonista expediu os ofícios e mandados pertinentes e os entregou à oficiala de Justiça. Após, a oficiala diligenciou para encontrar a gestante, sendo que o endereço que a mesma havia fornecido ao hospital não era exato, sendo preciso que a servidora contasse com o auxílio de populares, que ajudaram a localizar a genitora. No local, a oficiala de Justiça, que fora acompanhada do oficial escrevente plantonista, foi recebida pelo pai da criança, que estava bastante exaltado, razão pela qual a Brigada Militar foi acionada, de modo a evitar tumulto. Não houve uso de força física e, com os ânimos acalmados, a gestante entrou na ambulância, acompanhada do esposo. Já no hospital, a equipe médica, na presença da oficiala de Justiça, esclareceu ao casal os riscos envolvidos, sendo que, aparentemente, ambos haviam compreendido as circunstâncias, pois, conforme relatado pela oficiala de Justiça posteriormente ao juízo, de maneira informal, o genitor, inclusive, perguntou por que ninguém havia até então explicado tal situação.
Havia risco de morte da mãe e do bebê?
Segundo os registros hospitalares, havia, sim, risco de morte para a criança e para a mãe. Consoante os documentos médicos acostados aos autos, a genitora estava em início de trabalho de parto e era sua quarta gestação, sendo que já havia feito duas cesarianas e sofrido um aborto. Ainda, a idade gestacional era de 42 semanas e 02 dias e o feto estaria em apresentação podálica (em pé dentro do útero). Também, conforme prescrição médica, constou que “diante do quadro clínico apresentado, foi indicada a internação hospitalar imediata com interrupção da gestação”. Assim, foram relatados três riscos concomitantes: ruptura uterina devido às cicatrizes das cesarianas anteriores; prolapso do cordão umbilical; ocorrência da chamada “cabeça derradeira”, no qual a cabeça fica trancada no útero após a saída do corpo (devido à apresentação podálica do bebê).
Esperava uma repercussão tão grande do caso na mídia?
Não, mas creio ser importante o debate, inclusive para que as pessoas busquem informação e conscientização acerca da questão. Deve-se esclarecer os casos em que pode efetivamente restar configurada a violência obstétrica, diferenciando-os das hipóteses em que há intervenção médica necessária para salvar vidas, como, a meu ver, com os elementos que eu possuía quando da decisão, foi o que ocorreu no caso em apreço. Importante ressaltar que não existe direito fundamental e/ou humano absoluto, sendo que sua relativização dependerá do caso concreto, em especial nas hipóteses em que há mais de um direito fundamental e/ou humano cuja garantia se procura e ambos estão em conflito.
A senhora já tomou alguma decisão como essa em que havia risco de vida? Qual?
Nunca tive que proferir decisão em hipótese semelhante, mas frequentemente eu e os demais magistrados tomamos decisões envolvendo risco de morte para as pessoas, como nos casos em que há necessidade de internação hospitalar urgente e não há leitos, quando o Poder Público não fornece os medicamentos imprescindíveis para um enfermo, dentre outras. Assim, a parte busca o Judiciário para ver assegurado aquele seu direito.
Como a senhora avalia a declaração dos pais sobre entrar na Justiça contra o hospital?
Como, aparentemente, após chegarem ao hospital e ser-lhes esclarecida a situação, eles haviam compreendido a necessidade da internação hospitalar imediata, não acreditei que adotariam esta postura, em especial tendo em vista que a mãe e o bebê estão bem e já tiveram alta. Todavia, acredito ser natural este tipo de reação, pois, talvez por ainda terem dúvidas acerca da real necessidade do procedimento, não tenham tido oportunidade de refletir melhor a respeito.
Fotos: Morguefile
Departamento de Comunicação
Imprensa/AJURIS
(51) 3284.9125
imprensa@ajuris.org.br
Fonte: http://www.ajuris.org.br/2014/04/07/entrevista-magistrada-fala-sobre-decisao-da-justica-para-resguardar-vida-bebe/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seja bem-vindo ao blog do escritório "Aline Kopplin - Advocacia".
Envie suas dúvidas e deixe seus comentários.