segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Nova lei para uma velha omissão*

"Em breve, a Lei nº 12.010, de 29 de julho de 2009, entrará em vigor. É comum colocarmos na lei a responsabilidade por nossas omissões e frustrações. Mas, o que é a lei? Para que serve a lei?
A lei é produto humano, mais precisamente do Poder Legislativo, responsável por sua elaboração e que se espera, atenda justas reivindicações de uma sociedade ou de uma parcela sua de um determinado tempo histórico.
No passado recente, entendia-se que a instituição abrigo era a melhor alternativa para a criança cuja família fosse pobre ou apresentasse problema decorrente basicamente da pobreza. Colocávamos, neste tempo, a raiz do problema na família, eximindo todos os demais segmentos sociais de qualquer responsabilidade.
Nas últimas duas décadas, percebemos o fracasso da proposta: estávamos errados e era necessário mudar. Em 1988, nossa Constituição Federal elege a dignidade da pessoa humana como princípio norteador, guindando necessidades à categoria de direitos, distribuindo a responsabilidade pela sua garantia à família, à sociedade e ao poder público.
É comum resistirmos à mudança, mesmo que ela decorra de uma assembleia geral constituinte. De lá para cá, são vinte anos de acertos e desacertos, avanços e retrocessos. Entre os avanços, neste clima de desacomodação provocado pela mudança da matriz constitucional, passamos a voltar nosso olhar com mais vigor às crianças, em especial, para aquelas que têm seus direitos fundamentais ameaçados ou violados. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, sinaliza para a importância de inúmeros direitos constitucionalmente assegurados à criança e ao adolescente, entre eles, o direito à convivência familiar.
Abrigos gigantescos foram transformados em pequenas instituições, mais humanos, mais cuidados, mais voltados aos novos direitos. Atualmente, oitenta mil lá vivem, lá moram, lá esperam a chegada da tão sonhada família. Família que foi tão desprezada, tão maltratada, criminalizada, inclusive, dsde o tempo em que o estado retirava-lhe suas crianças porque ela era pobre, porque a casa não apresentava condições de higiene e habitabilidade. Tiramos as crianças da família. As crianças cresceram, formaram família, abandonaram, abusaram, negligenciaram nos cuidados com seus próprios filhos que, por sua vez, foram parar no abrigo.
O que fazer? Certamente muito há a fazer, muito há a mudar. Nova lei chega, valorizando agora a família natural, a família ampliada, impondo ao estado a responsabilidade por orientar, apoiar, promover socialmente o grupo familiar. A omissão é velha, mas a lei e o desafio são novos. Exige mudança, exige trabalho, exige maior participação da sociedade, maior aproximação entre os dois mundos, o mundo das crianças abandonadas com o mundo dos querem enfrentar o abandono. Mãos à obra!"
*Fonte: www.ibdfam.org.br (Nova lei para uma velha omissão - 10/08/2009 - Autora: Maria Regina Fay de Azambuja, procuradora de Justiça e professora da PUC-RS).

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Vertigem


* Por Aline Kopplin
Ao entrar pela porta do bar, passando pelo luminoso que brilhava azul-vermelho-azul-vermelho, respirou fundo e engoliu o choro. Passara a noite perambulando pela cidade. Tinha um buraco no peito e a garganta seca.
Lembrou daquele escritor que morreu cedo, que dizia que as pessoas são abismos, e que chegar perto dá vertigem. Parou, com raiva de si mesma. Na merda, e ainda filosofando. Maldita cabeça que pensava em círculos, sem sossego.
Atravessou o salão, sentou-se no bar e pediu uma dose de vodka. Vestia uma camiseta dele que tinha encolhido, jaqueta de couro preta, calça justa e botas de cano curto. Trazia uma bolsa grande cor-de-laranja a tiracolo e uma sacola cheia de revistas, que carregava com força desde o fim da tarde, quando saíra do trabalho, tomara um táxi e fora direto para o apartamento dele, no prédio velho da rua calma daquele bairro cheio de árvores, onde tantas vezes eles passearam de mãos dadas.
A unha, pintada de preto, havia levemente descascado. Há horas não retocava o rímel, borrado e que lhe dava ares de abatida. Bebeu de um tiro só. Pediu outra. Conferiu na carteira quanto ainda lhe restava. Pouco, mas suficiente pra pagar o táxi até lugar nenhum.
Pensou no desencontro que era sua vida, cheia de indefinições. Lembrou dele. Dele, e do que sentiu quando o conheceu. Da ternura que sentia todos os dias de manhã, quando acordava e via ele ali, do lado, espreguiçando-se com cara de sono. Das tantas promessas que fizeram. Das noites mal dormidas, das brigas interrompidas por loucas reconciliações, da sensação de calor que lhe dava toda vez que ouvia a voz dele no telefone. Pensou nele, por longo tempo. Nele... e nela. Ela, a estranha que roubara sua alma. Não segurou o soluço. Estancou o choro com mais uma dose.
Olhou em torno e viu que, àquela altura, restavam poucas pessoas no bar... uma turma barulhenta no canto, jogando sinuca e bebendo cerveja barata... um casal sentado perto da saída - ela aparentemente muito mais velha que ele... e meia de dúzia de bêbados de gravata contando piadas, tomando uísque e cantando a garçonete, que já limpava as mesas e levantava as cadeiras. Sentiu uma leve tontura e alguma náusea. Já passava das quatro da manhã e ainda não havia comido nada, reflexo do enjoo que lhe invadiu quando, ao chegar mais cedo do que o previsto, girou a chave, abriu a porta do apartamento e deu de cara com um par de sapatos de salto, com a carteira dele caída ao lado.
Levantou e caminhou até o banheiro, lavou o rosto e molhou o pescoço, grudando sem querer uma mecha de cabelo na testa. Tinha a pele mais pálida do que o normal; os olhos caídos; a boca rachada de febre, de raiva, de ciúmes. Lembrou da mãe, que nem devia ter notado a sua ausência, já que era na casa dele que passava a maior parte do tempo.
Não se reconhecia no espelho. Havia perdido o ar malicioso de menina, o jeito de mulher segura. Via apenas melancolia. Sentiu nojo de si mesma, por não ter tomado nenhuma atitude, por ter sido tão fraca ao ponto de apenas sair correndo e chorando, cuidando pra não bater a porta e, assim, não ser descoberta, achando que, se não fosse vista, diminuiría o seu sofrimento. Não poderia nunca conviver com essa atitude, não condizia com seu modo de ser.
Remoendo a cena e pensando fixamente naqueles sapatos de salto, foi sendo tomada por uma sensação alucinante de raiva, que lhe arrepiou os pelos e lhe fez, num rompante, tomar a bolsa e sair batendo a porta, deixando pra trás a sacola de revistas. Pagou a conta direto no caixa e não quis saber das moedas do troco. Passou correndo pelo luminoso, chegou à beira da calçada e parou o primeiro táxi. Rumou em direção ao apartamento dele. Pelo retrovisor, o taxista lhe dava algumas olhadas curiosas, como quem se diverte com o espetáculo da dor alheia.
Dobrando a esquina do seu destino final, sentiu a náusea aumentar. Já não chorava mais, só sentia raiva, dele e de si mesma. E daqueles sapatos. Daqueles malditos sapatos pretos, lindos e aparentemente caros. Desceu em frente ao prédio. Pensou em todos os desaforos que diria. Tocou o interfone. Uma... duas... três vezes. Alguém atendeu. Era ele.
Ao ouvi-lo, seu peito parou. Tentou falar, mas a voz não saiu. Quis gritar, xingá-lo, mandá-lo longe, fazer chantagem emocional, implorar que ele se arrependesse. Quis que ele pedisse pra ela entrar, lhe pegasse no colo, passasse a mão no seu cabelo, lhe desse banho e fizesse amor devagarinho, embaixo das cobertas, dizendo que não tinha tido a menor importância, e que tudo ia passar, e que amanhã era sábado e que eles iam acordar juntos, escovar os dentes, sair pra rua e tomar café na padaria na esquina. Mas calou. Apenas calou. Uma lágrima solitária lhe escorreu pelo rosto, borrando o resto do rímel. Ajeitou a bolsa no ombro, puxou a camiseta curta, tossiu baixinho e desceu as escadas. Saiu caminhando pela rua. Pensou em sumir, desaparecer, parecia mais fácil.
Sabia, porém, que não resolveria nada assim. Que pra sumir, precisava ter grana, o que não tinha. Que precisaria deixar sua família pra trás, o que não conseguia. Que se sumisse, ele nunca mais ia saber dela, e quem sabe nunca iria se arrepender e voltar atrás rastejando e pedir desculpas e dizer que a dona do sapato nada mais era do que uma aventura pueril, e que ele nem gostava tanto assim de salto alto. Pensou nisso e em todas as hipóteses possíveis pra diminuir a dor. Não achou nenhuma solução imediata. Assim, tomou outro táxi e pediu que lhe deixasse em casa. Pagou com os trocados que restavam.
Ao chegar, deitou de roupa e após alguns minutos de choro convulsivo, adormeceu, aumentando a estatística mundial de corações partidos.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Divórcio pela internet

O PLS 464/2008, que permite que pedidos de separação e divórcio sejam feitos pela internet, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Se aprovado, o PL, de autoria da senadora Patrícia Saboya, vai viabilizar a separação e o divórcio consensual, pela internet, para casais sem filhos menores ou incapazes. Na petição on line, deverão constar informações sobre a partilha dos bens comuns, pensão alimentícia e possível alteração de nomes.
Segundo o presidente do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira, o divórcio pela internet é uma evolução no Direito de Família. "O PL segue a tendência do Estado moderno atual que é a de favorecer a autonomia do sujeito, através da menor intervenção do Estado na vida privada do cidadão", argumenta.
No entendimento da advogada, Marilene Guimarães, associada ao IBDFAM, o PL não dispõe sobre o trabalho do advogado no procedimento eletrônico. Em comunicado encaminhado ao IBDFAM, a associada pretende mobilizar a classe advocatícia para reiterar a participação do profissional no processo virtual. O projeto, que segue a esteira da Lei 11.149, que cria procedimentos para informatização dos processos judiciais, vai agora para a análise da Câmara dos Deputados.PEC - Nessa mesma linha de promoção da autonomia do cidadão, está prevista para votação no Senado Federal, no dia 24/09, a PEC 28/09 que pretende retirar prazos e o instituto da separação judicial como etapa obrigatória para o pedido de divórcio.
*************************************************************************************
Fonte: Boletim eletrônico IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família - N° 123