sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Vimos um tempo atrás no site Fofoca de Mãe (www.fofocademae.com.br), onde colaboro quinzenalmente com uma coluna, um texto muito bacana da Pâmela, a respeito das chamadas "famílias monoparentais". 


Hoje, dando sequência ao especial "novas famílias", venho falar um pouco sobre as "famílias homoafetivas", assunto que sempre desperta muita curiosidade, como todo tema ligado à sexualidade.

A homossexualidade acompanha a história humana desde suas origens e, se nas civilizações antigas era aceita e até mesmo cultuada (como na grega ou na romana), com a ascensão do cristianismo passou a ser condenada como uma afronta à moral e aos costumes da época. Em um passado recente, um grande número de países lidava com a sexualidade como caso de saúde pública. Apenas em 17 de maio de 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças. Ainda assim, há quem pense diferente. Em 2013, chegou a entrar na pauta de discussão do Congresso um projeto, proposto pela bancada religiosa, que pretendia autorizar o tratamento da homossexualidade por psicólogos (que ficou conhecido como "cura gay").

No Brasil, desde 1988 vivemos sob o comando de uma legislação que veda a discriminação a qualquer título, protege a dignidade da pessoa humana e promete a proteção ao bem de todos, sem preconceito de sexo. A igualdade de direitos e a evolução cultural e social vem fazendo com que, na contemporaneidade, as relações entre pessoas do mesmo sexo sejam melhor aceitas e respeitadas. No entanto, ainda há muito preconceito e enorme dificuldade de se falar sobre o assunto.

"família homoafetiva" é aquela formada por um casal de pessoas do mesmo sexo, com ou sem filhos, também chamada de "família homoparental" quando pelo menos um indivíduo homossexual assume a responsabilidade por uma criança. A expressão "homoafetividade" foi cunhada pela ex-Desembargadora Maria Berenice Dias, uma ativista na defesa dos direitos LGBT, que defende que a homoafetividade vai além da relação sexual, sendo um vínculo criado primordialmente pela afetividade, pelo carinho e pelo desejo de estar com o outro em uma convivência harmônica.

No mundo inteiro, esse modelo de família existe como realidade social já há muito tempo. Apesar disso, no Brasil as relações entre pessoas do mesmo sexo ainda não são admitidas no texto legal como entidades familiares. A Constituição Federal reconhece como entidades familiares apenas a união estável entre o homem e a mulher e o núcleo formado por qualquer um dos pais e seus descendentes.



Até hoje a lei brasileira atribui à relação mantida entre parceiros do mesmo sexo a natureza de uma parceria civil (como se fosse uma sociedade), a fim de proteger interesses patrimoniais. A Lei Maria da Penha, de 2006, que se destina a coibir e prevenir a violência doméstica foi a primeira a referir-se sobre a questão de gêneros, ao dispor que a sua aplicação independe da orientação sexual da vítima.  

A omissão legislativa fez com que, ao longo do tempo, os Tribunais de Justiça do país passassem a se posicionar sobre o assunto, dando aos companheiros direitos patrimoniais, sucessórios, previdenciários, registrais e julgando questões envolvendo transtorno de identidade de gênero.

Entes privados e públicos também passaram a regulamentar alguns direitos relacionados com as uniões homoafetivas e o público LGBT, como direito ao seguro DPVAT do companheiro, visto de permanência de estrangeiro, pensão previdenciária por morte, doação de órgãos, financiamento habitacional, condição de dependente para a concessão de benefícios, nome social, cálculo de renda para bolsa de estudos, inclusão como dependente no imposto de renda, dentre outros.

Em 05 de maio de 2011, em julgamento histórico, vale a pena a leitura da decisão, clique aqui,  o Supremo Tribunal Federal entendeu que deveria ser excluída da interpretação da lei "qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, esta como sinônimo perfeito de família". Com isso, foram estendidos às relações homoafetivas todos os mesmos direitos e efeitos do casamento e das uniões estáveis. Indiretamente, criou-se a abertura para a realização do casamento gay no Brasil.

Logo após esse marco, alguns casais homossexuais encontraram dificuldades para casar em Cartório, levando a briga para a Justiça. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça fez uma Resolução que obrigou os Cartórios a realizarem o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Desde então, passados dois anos, em maio de 2015 registrava-se a realização de 3,7 mil casamentos entre pessoas do mesmo sexo no Brasil.



Hoje, além de poderem selar suas uniões diante do Juiz de paz, os casais homoafetivos podem regular e proteger as questões patrimoniais e sucessórias de suas uniões, podem adotar o nome do outro, podem divorciar-se, casar novamente, adotar filhos, gerar filhos mediante inseminação, enfim, uma gama de direitos que veio de uma decisão judicial. Assim, apesar de não ser permitido na letra fria da lei, o casamento gay no Brasil existe e foi autorizado pela Corte máxima do país.

Há, contudo, um longo caminho a percorrer, não só na reforma ampla da legislação, mas também na derrubada dos preconceitos.

Recentemente, a Suprema Corte dos EUA legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o país. Até então, 13 estados ainda proibiam a sua celebração. Foi o "start" que gerou a onda de fotos coloridas por uns dias no Facebook. Mal se deram conta que, no Brasil, isso já havia ocorrido em 2011.

Há quem julgue que autorizar o casamento gay seja um retrocesso. Assim como há - ainda bem! - uma grande maioria que não pensa dessa forma.

Famílias são, acima de tudo, constituições de amor. Pessoas que se unem por laços de afeto e que desejam construir um projeto de vida juntos, seja ele qual for. Com ou sem filhos, com um ou mais pais, de sexos iguais ou diferentes, o que forma uma entidade familiar é a vontade de estar junto e de compartilhar a jornada da vida.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Paternidade e responsabilidade

Embora vivamos em um país em que, desde 1988, a lei máxima - a Constituição Federal - diga que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, inclusive no exercício de seus papeis no casamento e na união estável, a realidade social e das famílias brasileiras ainda mostra estatísticas distantes desse ideal de igualdade.
Historicamente, as mulheres tem lutado pelo seu reconhecimento como cidadãs, sujeitos de direitos e também como mães. Nessa busca, conquistaram direitos ao voto, ao divórcio, à educação, ao trabalho, à liberdade sexual, ao planejamento familiar, à escolha sobre o parto e ao exercício da autoridade sobre os filhos, dentre tantos outros.
A busca de uma maior igualdade entre os membros da família, acompanhada da inserção da mulher no mercado de trabalho e da repartição do ônus de prover o sustento da casa, tem feito com que, cada vez mais, os homens abracem ativamente a criação, os cuidados e a educação dos filhos, compartilhando responsabilidades das quais, em um passado recente, a sociedade os excluía.
Com esse crescente envolvimento na vida dos pequenos, os homens do século XXI surpreenderam-se sobre o quão prazerosa e gratificante pode ser essa rotina. E, com essa descoberta, logo perceberam que a legislação não estava preparada para acolhê-los.
A guarda dos filhos é um bom exemplo disso.
A guarda compartilhada entre os pais passou a ter previsão legal apenas em 2008, passando a existir como uma possibilidade para o Juiz, inclusive em casos de litígio.
A primeira norma que regulou a guarda de filhos no Brasil foi um Decreto de 1890, que dizia que os filhos deveriam ser entregues ao cônjuge "inocente" na separação (sim, houve um longo tempo em que se discutia quem era o "culpado" pelo fim). Com o Código Civil de 1916, o Estatuto da Mulher Casada, de 1962, e a Lei do Divórcio, de 1977, em maior ou menor grau o entendimento passou a ser de que, em caso de culpa recíproca pela separação, os filhos deveriam permanecer sob a guarda materna.
Essa legislação, situada em um contexto social favorável à discriminação entre os gêneros, permitiu que, durante mais de um século, fosse construída pelos Tribunais uma forte tendência de, ocorrendo separação ou divórcio, outorgar a guarda dos filhos naturalmente à mãe.
Com a Constituição Federal de 1988, atribuindo a homens e mulheres direitos iguais, inclusive sobre a família, e posteriormente com o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, que passou a tratar as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, foi ganhando espaço a ideia de que, mais do que um direito dos pais, a guarda deveria ser atribuída àquele que pudesse atender em melhores condições os interesses dos filhos.
Em 2002, entrou em vigor um novo Código Civil, que aboliu a culpa pelo fim do casamento como um fator determinante para a fixação da guarda. Em 2008, esse Código sofreu uma alteração, que inovou com a possibilidade de, mesmo em casos de litígio, o Juiz fixar a guarda compartilhada dos filhos. Ainda assim, arraigados à tradição da guarda unilateral materna, os Tribunais seguiram entendendo, em muitos casos, que a guarda compartilhada só poderia ser fixada se houvesse consenso entre os pais. Em contrapartida, os interesses e as necessidades dos filhos passaram a ter um peso muito grande nas disputas, sendo via de regra o fator decisivo para os Juízes.
Insatisfeitos com esse modelo, os pais e a sociedade buscaram uma resposta, que culminou com a edição da Lei nº 13.058/2014, que entrou em vigor em 22 de dezembro de 2014, dispondo que a guarda compartilhada deve ser sempre a primeira opção do Juiz, mesmo nos casos em que haja desavenças entre os pais, desde que, claro, os dois queiram exercê-la.
A guarda compartilhada não significa fracionar o tempo com os filhos em iguais partes, tampouco fazer com que a criança se confunda entre duas residências; o "compartilhamento" está ligado às responsabilidades sobre os filhos e às decisões sobre a sua criação e educação. Trata-se de um instrumento que, ao mesmo tempo em que propicia aos pais uma maior contribuição no dia-a-dia dos pequenos, cria o efeito de chamar o outro a cumprir de forma mais satisfatória com as suas obrigações.
O efeito dessa legislação pode vir a ser muito positivo, se considerarmos que, segundo dados do IBGE, o percentual de famílias chefiadas por mulheres sem cônjuge no país passou de 24,9% para 38,7%, entre 2000 e 2010. Em tempos de crise do valor "responsabilidade", portanto, cresce o número de mães solteiras pelo país.
O resgate da responsabilidade parental também teve um grande estímulo com a promulgação da Lei da Alienação Parental, em 2010, que passou a condenar a conduta daquele pai (leia-se aqui pais e mães) que interfere na formação psicológica dos filhos, promovendo atos que os façam repudiar o outro genitor ou que causem prejuízo ao estabelecimento ou manutenção dos vínculos familiares. Alienação parental não é crime, mas pode ser punida sim, com sanções que vão desde a advertência de quem a pratica, até a fixação de multa, alteração da guarda e suspensão da autoridade parental, dentre outras.
Para os pais que tem regulamentado apenas o direito de visitas e sofriam com a influência má intencionada do outro sobre os filhos, esse foi um grande ganho.
Hoje, inclusive, há correntes que falam em substituir a expressão "visitas" por convivência, justamente com a intenção de chamar o não-guardião ativamente para a vida do filho, na condição de protagonista, e não apenas de mero espectador.
Há, assim, um movimento crescente que tenta inserir os pais (e, aqui, leia-se com maior força os "papais", por uma questão cultural e histórica) de forma ativa na vida dos filhos, propiciando-lhes as delícias da convivência e também chamando-lhes à responsabilidade integral sobre os filhos. Um grande números de pais, por sua vez, tem buscado essa convivência, usando os instrumentos que a lei lhes dá.
Essa onda é consequência da evolução permanente da sociedade, que hoje busca com força igualar as condições entre os gêneros e preocupa-se, cada vez mais (que bom!) em colocar os interesses das crianças, esses seres tão vulneráveis, na frente dos interesses dos adultos.
Todos ganham com a valorização da paternidade. Ponto para os pais que se esforçam diariamente para trazer e manter o assunto à tona e que buscam no convívio com os filhos não só uma forma de realização pessoal, mas também a concretização de sua responsabilidade parental, a colaboração com o ex-parceiro e, acima de tudo, o desenvolvimento saudável dos seus rebentos, em relações nutridas com afeto e respeito.
Que, nesse Dia dos Pais, entre abraços e carinhos dos papais e dos filhos, todos façamos um exercício de conscientização sobre a importância da paternidade na formação das crianças.
Um grande abraço!
Aline Kopplin.

* Esse texto foi publicado no site "Fofoca de Mãe" (www.fofocademae.com.br, @fofocadmae), onde agora tenho um espaço quinzenal.