quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Adoção póstuma


"Autorizada adoção póstuma considerando relação socioafetiva
Por maioria, a 8ª Câmara Cível do TJRS autorizou adoção póstuma, reconhecendo a vontade inequívoca do falecido em adotar a enteada com a qual estabeleceu filiação socioafetiva. Os magistrados determinaram, ainda, a destituição do poder familiar do pai registral, que abandonou por completo a filha, autora da ação. Deverá ser anotado no registro de nascimento da adolescente o nome e sobrenome do falecido, em substituição ao do pai biológico."
Fonte: Site do Tribunal de Justiça do RS (http://www.tj.rs.gov.br/)

Há um tempo atrás, escrevi um post sobre afeto, ressaltando a sua importância na determinação dos vínculos familiares modernos, o que há algum tempo vem se desenhando no Brasil. Na ocasião, cheguei a citar como exemplo a paternidade socioafetiva.

Pois a notícia acima consagra, de maneira ímpar, a relevância do afeto, em caso em que a paternidade socioafetiva é colocada em pauta: a decisão reconhece o direito de uma menina, representada por sua mãe, à adoção pelo pai socioafetivo e à destituição do poder familiar do pai biológico, sob o argumento de que este último apenas a registrou, sem nunca prestar auxílio material ou emocional. Para a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, a adoção póstuma é viável sempre que demonstrada a inequívoca vontade dos adotantes, mesmo que falecidos antes do ajuizamento da ação. O julgado cita entendimento de Rui Portanova, Desembargador e professor da Faculdade de Direito da UFRGS, de que devem ser considerados "o superior interesse da criança e sua identidade enquanto filho dos pretensos adotantes, identidade essa que tem relação direta com sua personalidade e seu referencial de indivíduo na sociedade.”

Ainda, segundo o Desembargador José Trindade, relator do caso, ficou comprovado que o falecido havia manifestado vontade em adotar a filha da sua esposa, o que só não fez diante de sua morte prematura, em um acidente. Embora o primeiro estudo social realizado no processo tenha concluído que a menina não seria beneficiada com o deferimento da adoção, pois trocaria um pai biológico desidioso por outro já falecido, o magistrado ponderou que a menina percebe o falecido como seu pai, havendo farta prova de que, em vida, a sua convivência com o "padrastro" sempre foi amorosa.

Em relação ao pai biológico, a decisão destaca que este procedeu apenas ao registro do nascimento da criança, tendo sumido da vida da filha, apenas sendo encontrado por estar cumprindo pena em razão de sentença criminal condenatória. Ressalta que o pai não só concordou com a destituição do poder familiar, como também revelou que o término do vínculo familiar “está ótimo".

Como se vê, o TJRS, seguidamente vanguardista no Direito das Famílias e Sucessões, mais uma vez utilizou como fonte primária de sua decisão a importância do afeto nas relações familiares, mostrando que, a cada dia que passa, as disposições frias da letra da lei se relativizam, dando novos contornos à família moderna.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Divórcio


Ontem divorciei um casal. Duas pessoas novas, interessantes, inteligentes. Casados há 16 anos. Amigos de infância. Começaram a namorar quando ela tinha 17 anos. Depois de cinco anos de namoro e algumas idas e vindas, casaram. Viveram felizes enquanto durou. Adotaram dois filhos, que criaram (e criam) com todo o amor do mundo. Um belo dia, decidiram que não conseguiriam mais viver juntos, por incompatibilidades várias que não vêm ao caso.

Encontrei os dois alguns minutos antes da audiência. Abraçaram-se, beijaram-se, conversaram. Deram risadas, perguntaram um da vida do outro. Uma das primeiras perguntas dele foi onde tinham ficado as crianças, enquanto ela tinha ido ao fórum. O carinho daquele pai, por aqueles dois meninos, escancarado na cara.

A audiência, pra variar, atrasou um pouco. Enquanto isso, ficamos conversando. Ela, uma mulher carinhosa e com uma inteligência emocional gritante; ele, um pouco mais reservado, como no geral são os homens, mas não menos carinhoso. Começaram a falar sobre a estranheza da situação. Sobre estarem sentados ali, conversando amenidades, enquanto não vinha a hora de romper o vínculo que os uniu por 16 anos... como se fosse a coisa mais banal do mundo.

No meio do papo, uma coisa que ela disse pra ele me marcou: "começamos amigos, casamos, construímos uma vida e fomos marido e mulher... agora estamos nos divorciando, e nos tornamos amigos de novo, e assim seremos pro resto das nossas vidas, pelos nossos filhos". Eu, com o meu óculos cor-de-rosa tradicional, achei lindo. Não o divórcio, claro. Mas fazer o quê? Não deu, não tinha como evitar. Pessoas mudam, se afastam, passam a gostar de outras coisas, bola pra frente. O que me chamou muito a atenção foi o carinho dos dois, o respeito, a humanidade, a gentileza, super difícil de ver em casos como esse. Ela, inclusive, me disse que os filhos adoram dizer pros amiguinhos que "o pai e mãe são tri amigos!".

Não sou muito íntima da Martha Medeiros, mas esses tempos ela escreveu uma coluna interessante (até guardei o jornal, mas no meio da minha-bagunça-que-não-acaba-mais não achei), onde dizia que as crianças de hoje devem ser educadas de forma a crescerem sabendo que o amor pode não ser eterno, e que o rompimento do vínculo entre duas pessoas nem sempre significa o fracasso da relação, mas sim simboliza que ambas não estão mais vivendo em sintonia, tudo a fim de evitar que se tornem adultos frustrados, com medo de se envolverem. Achei que o pensamento cai justo como uma luva, pois o casal de ontem, ele e ela, são nada mais do que isso: duas pessoas que se conheceram, se identificaram, se amaram, deixaram de se amar, e hoje se respeitam e se gostam como amigos. Quer uma relação mais bem-sucedida que essa?

Deixei o fórum feliz e acreditando mais e mais que, não adianta negar, a beleza está nas pequenas coisas e nos grandes gestos.



domingo, 16 de novembro de 2008

Sancionada a Lei dos Alimentos Gravídicos

"IBDFAM colabora com a aprovação dos Alimentos Gravídicos

A partir de hoje as gestantes terão direito à pensão alimentícia. A lei 11.804/08 foi sancionada nesta quarta (5), com veto em alguns artigos. O IBDFAM teve participação significativa nestes vetos , pois encaminhou no último dia 21 de outubro um ofício para o presidente Lula sugerindo a retirada dos artigos 3º , 5º , 8º e 9º, e todos eles foram extraídos do texto.
Confira sugestões de veto encaminhadas pelo IBDFAM e contempladas pela sanção
Art. 8 - Exame de DNA
Se o suposto pai negar a paternidade, o projeto previa "realização de exame pericial pertinente" (Art 8) para que a investigação de paternidade seja efetivada. Essa disposição colocava em risco a vida da criança. É consenso na comunidade médica que o exame de DNA em líquido amniótico pode comprometer a gestação.
Art. 9 - Pai a partir da citação
O projeto previa que os alimentos sejam pagos desde a data da citação do réu (Art. 9). A paternidade não é configurada a partir do momento em que o oficial de justiça cita o réu de uma ação dessa natureza. "Pai é assim o é desde a concepção do filho", é a máxima sustentada pelo IBDFAM, que defende que os alimentos sejam devidos pelo pai desde o momento em que o juiz distribui a ação, evitando que o réu atrase a tramitação da ação ao esquivar-se de receber o oficial de justiça.
Art. 10 - Suposto pai pode requerer indenização
A gestante, segundo o projeto, poderia ser responsabilizada por danos matérias e morais se a paternidade indicada for negativa (Art. 10). O artigo, na concepção do IBDFAM, afrontava o princípio constitucional do acesso à justiça (art. 5°, inc. XXXV da Constituição Federal), ao abrir um grave precedente de o réu ser indenizado pelo fato de ter sido acionado em juízo.
Art. 3 - Deslocamento da gestante
Ao invés de melhor atender à gestante, este artigo fixava a competência judicial no domicílio do suposto pai (Art 3), forçando-a a deslocar-se para a cidade/ região do suposto pai para as audiências.
Art. 5 - Necessidade de audiência de justificação
Este artigo impunha a realização de audiência de justificação, mesmo com provas de o réu ser o pai do filho que a autora espera. Porém, tendo em vista a possibilidade demora da realização da audiência, imperioso se mostrava a dispensa da solenidade para a fixação da verba alimentar
Art. 4 - Especificação de provas
Na petição inicial, necessariamente instruída com laudo médico que ateste a gravidez e sua viabilidade, a parte autora indicaria as circunstâncias em que a concepção ocorreu e as provas de que dispõe para provar o alegado, apontando, ainda, o suposto pai, sua qualificação e quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe, e exporá suas necessidades."
*06/11/2008 Fonte: Ascom IBDFAM

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Relações permeadas de afeto


A cada dia que passa, as relações familiares se tornam mais enfraquecidas. Isso se deve a uma série de fatores, dentre eles o de que as pessoas a cada dia trabalham mais e ficam menos em casa, tendo pouco ou nenhum tempo livre para se dedicarem aos outros. Além disso, as relações interpessoais ficam progressivamente mais complicadas e, em contra-ponto, as pessoas têm menos paciência (e vontade, por quê não?!) de lidar com os conflitos alheios.
No meio dessa crise institucional da família, surge uma questão interessante: os laços sanguíneos de parentesco não são mais um fator garantidor de uma convivência familiar plena e duradoura. O sangue, por sinal, vem aos poucos deixando de ser determinante para a formação do que até então se conhecia como família, no seu conceito ortodoxo de "célula-mãe da sociedade", e que hoje passa a ser chamada de "entidade familiar", estrutura baseada em relações de reciprocidade e de afeto.
O afeto, na esfera jurídica, vem sendo um instrumento muito importante no preenchimento de lacunas legais e no suprimento de dispositivos ultrapassados e afastados da realidade sócio-político-econômica. Como tal, a sua utilização como princípio muitas vezes solucionador de conflitos vem dando novos contornos à família, em especial à família brasileira. A paternidade sócio-afetiva é um bom exemplo da importância do afeto nas relações familiares modernas: trata-se de um conceito jurídico que se destina ao estabelecimento da paternidade com base em outros elementos que não a carga genética, tais como a convivência e a afetividade existente entre pai e filho. Atualmente, inclusive, existem inúmeras decisões arquivadas nos Tribunais reconhecendo que a paternidade sócio-afetiva, em muitos casos, tem igual ou maior força do que a paternidade biológica, pela conclusão de que o status de pai ultrapassa o conceito da concepção biológica, traduzindo-se na conduta de amar e cuidar de uma criança.
Vale lembrar, ainda, que na nova concepção de família, ou ainda de entidade familiar, consagrada pela Constituição Federal promulgada em 1988, a base da sociedade passou a ser o indivíduo e deixou de ser a família pura e simples, encarada como um fim em si mesmo, independentemente da vontade afetiva de seus membros. Para a nova Carta de Direitos, a família passou a ser um meio, um instrumento de realização do ser humano em toda a sua plenitude.
Não obstante a tão exaltada crise do instituto "família", e embora a sociedade viva um período extremamente individualista, que aclama a busca da auto-realização, pessoal e profissional, não se pode perder de vista que o núcleo familiar ainda é tido como um refúgio para o anonimato da realidade das ruas, sendo nela que o indivíduo encontra a sua identidade cultural e moral.
O que vem se modificando, sim, é a estrutura do que até hoje conhecíamos como família: aquela bolha tradicional formada por um chefe (o pai), a mãe (submissa e inexpressiva) e os filhos, todos eles convivendo plena e forçosamente. A família, hoje, possui várias caras: é a família da mãe solteira e do filho ou da filha (ou ainda dos filhos); a do casal que opta por não ter filhos e aproveitar os prazeres que a vida só proporciona a quem não tem responsabilidade sobre outrém; a do viúvo que cria os filhos depois que a esposa falece; a do casal que se encontra, depois de respectivos divórcios, e passa a criar seus filhos em conjunto; a dos colegas de universidade que se deslocam do interior para a capital, onde passam a dividir o mesmo teto, as obrigações, as aflições e, quiçá, o afeto familiar.
Pensando em escrever sobre esse tema, e já ficando envergonhada de ter lançado o blog no espaço virtual e tê-lo deixado latente, lembrei que seria interessante recomendar um filme que já assisti por mais de uma vez, cujo conteúdo vem bem a calhar com a crise da família e com os novos contornos das relações familiares, traçados por uma época de modernidade, individualismo e conflitos de identidade, caráter, ética, moral ou o que mais couber.
O filme é o ganhador de 2 Oscar, um deles por melhor roteiro original, "Little Miss Sunshine": uma tragicomédia americana com pitada de drama, dirigida por Jonathan Dayton e Valerie Faris, lançada em 2006, que conta a história de uma família que percorre o caminho do Novo México até a Califórnia em uma Kombi amarela, para levar a filha caçula a um concurso de beleza: "A Pequena Miss Sunshine". Em meio a uma realidade familiar pouco estável, com cada membro da família com suas peculiares diferenças e problemas, vem a notícia de que Olive foi classificada no concurso "A Pequena Miss Sunshine", na Califórnia. Para acompanhar a menina, toda a família (que não possui nem casa nem carro próprios) decide cruzar o país numa Kombi. Dentre eles, o avô de Olive, que ensaia todos os dias a neta para o concurso e que foi expulso de uma casa de repouso pelo uso de drogas; o pai da família, Richard, cidadão de classe média americano, que vende um programa de auto-ajuda para quem quer ser um vencedor; a mãe de Olive, típica figura materna, que valoriza a honestidade acima de tudo; Frank, o tio gay que acaba de tentar suicídio por ser traído pelo namorado, e por isso vai passar uns tempos com a família; e o irmão mais velho de Olive, Dwayne, aficcionado em ser piloto de aviões, "emo" e que faz um voto de silêncio por motivos desconhecidos. Todos juntos, partem para levar a pequena e desengonçada Olive para realizar o seu sonho: participar do concurso de beleza. Pelo caminho, claro, encontram uma série de dificuldades e passam por momentos de alegria, tristezas e descobertas.
O filme conta uma história simples, mas com uma delicadeza especial e particular, que destaca a dificuldade e as diferenças nas relações familiares, e acima de tudo ensina que o mundo (e o núcleo familiar) não é (ou ao menos não deve ser) uma competição e que a sociedade não deve ser dividida entre vencedores e perdedores. Fica a introdução ao tema e a dica cinematográfica, enquanto uma análise mais aprofundada sobre a crise do instituto "família" e o afeto nas relações familiares modernas vai sendo rabiscada.
*Para assistir ao trailer de "Little Miss Sunshine", acesse: http://www.youtube.com/watch?v=VWyH_twcMl0&feature=related