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Projeto de lei pode tornar guarda compartilhada obrigatória
Separados desde dezembro, depois de 14 anos juntos, os empresários Sabine e Fábio Mondardo continuam se encontrando quase todos os dias. Murilo, seis anos, motiva a manutenção dos laços entre os ex-companheiros. Estão, os três, em adaptação a uma nova rotina que tenta, da melhor forma possível, reproduzir a anterior. O pai é quem leva o filho na escola, a mãe busca, e os finais de semana são alternados.
Preparando-se para formalizar a guarda compartilhada, o ex-casal optou de maneira espontânea pelo formato que, em breve, pode virar norma. Está em apreciação no Congresso o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 117/2013, que, se aprovado em todas as instâncias e sancionado pela Presidência, determina a guarda conjunta ao final do relacionamento, mesmo quando não houver consenso — o contexto de atrito geralmente motiva os juízes brasileiros a optarem pela guarda unilateral, beneficiando quase sempre a mulher (leia mais na página seguinte). A possibilidade de mudança na legislação estimula um intenso debate entre especialistas e famílias, que procuram antecipar, listando prós e contras, o impacto da novidade.
— Mesmo em casas diferentes, queríamos continuar sendo pai e mãe. Achamos que seria melhor os dois decidirem por tudo — explica Sabine.
Em acompanhamento psicológico desde que o pai mudou de endereço, para tornar a transição mais amena, Murilo sentiu o abalo nos primeiros meses. Recusava-se a ir para as aulas do 1º ano, regrediu em algumas habilidades, esforçava-se para restabelecer a normalidade.
— Queria que você fosse namorada do pai — pedia à empresária.
Na residência de súbito grande demais, em Novo Hamburgo, Sabine cogitou ir para outro lugar, mas desistiu ao perceber que o afastamento dos amigos da vizinhança seria mais um baque para o menino. Hoje, oito meses depois, tudo está sendo melhor assimilado. O apartamento de Fábio ficou mais aconchegante para o garoto ao ganhar elementos conhecidos, trazidos da casa principal: um edredom, um colchão, brinquedos, porta-retratos com fotos da família.
— Tenho duas casas e dois quartos — conta Murilo com empolgação.
Sabine e Fábio já ultrapassaram o marco que costuma ser o mais delicado para os cônjuges que se apartam e necessitam manter um mínimo de tolerância para preservar os filhos que são da antiga união: iniciaram outros relacionamentos.
— Teve o momento de tristeza, de luto, mas nunca teve desrespeito. Tenho a experiência dos meus pais, que se separaram. A presença masculina é muito importante para a criança. Vou fazer o maior esforço possível para que ele esteja sempre presente — afirma Sabine.
Fábio destaca que não é preciso que a lei dite o comportamento adequado. Os dois estabelecem as bases da convivência e, quando surgem contratempos no trabalho ou outros compromissos, improvisam a melhor solução, solicitando a ajuda do outro. Reforçando o discurso da ex-mulher, o empresário define:
— Tem dois caminhos na separação, o bom e o ruim. Nós optamos pelo bom.
Depoimento
Marco Antonio*, 28 anos, pai que busca na Justiça a guarda compartilhada
Ela não sorriu ao me ver
"Nos separamos pouco depois de a Julia* nascer. Entrei com o pedido de guarda compartilhada. O juiz disse que a guarda natural é da mãe, que não existe guarda compartilhada para uma criança de seis meses. Um absurdo. Fiquei com visitas a cada 15 dias e uma hora na semana. É muito pouco. Teve uma ocasião em que fiquei três semanas sem vê-la. Foi como se eu não existisse. Ela não sorriu ao me ver, fiquei chocado.
A criança precisa do duplo referencial, precisa dos dois modos de vida, conhecer as duas pessoas para formar o próprio pensamento. Com a guarda compartilhada, posso suprir as faltas que enxergo. Vacinas foram atrasadas, consultas médicas também. A mãe não a leva ao pneumologista e não deixa que eu a leve. Tem sentimento de posse, não de guarda.
Divido uma casa com a minha mãe e a minha irmã, mas projeto ter uma só minha, com um quarto para a Julia. Minha filha, hoje com um ano e meio, tem um bom relacionamento comigo, é bem apegada. Às vezes ela me chama de pai, às vezes não. Não é uma constante, falta convívio. Não sei se ela já assimilou bem que sou o pai. Ela sabe que sou uma pessoa que a pega para passear. Está sempre louca para sair, mas não sei se tem noção de que está saindo com o pai dela.
Sei que vai ser necessário um contato maior com minha ex-mulher para tomarmos decisões. Mas só sobre assuntos da Julia, não pergunto nada sobre a vida dela. Ela odeia a ideia da guarda compartilhada. Tentei a via amigável, e ela disse que não abre mão da guarda unilateral.
Estou confiante. Tem bastante gente que me conhece e sabe que, quando a menina está comigo, faço tudo, sou um pai ativo. Se o juiz não partir daquele princípio antigo de que o pai é só um provedor e que a mãe é quem deve cuidar, acho que consigo."
* Os nomes foram trocados para preservar as identidades
Por dentro da legislação
Como é hoje
-Guarda unilateral: é exercida pelo pai ou pela mãe, por consenso obtido entre ambos ou a partir de uma decisão do juiz quando não há acordo entre as partes. O filho mora com a mãe, por exemplo, e é organizado um esquema de visitas para que ele passe tempo com o pai, com datas festivas e finais de semana alternados. O detentor da guarda assume a condução da rotina do filho e toma as decisões referentes a escola, atividades extraclasse, cuidados com a saúde etc.
-Guarda compartilhada: a responsabilidade pelos direitos e deveres do filho é conjunta. Pode ser acordada entre os dois ou decretada pelo juiz. A criança ou o adolescente costuma ter estruturas semelhantes em duas casas — um quarto na casa do pai e outro na casa da mãe. De acordo com a situação, definem-se as bases da convivência: o filho passa finais de semana alternados com os pais e, durante a semana, divide-se entre as duas residências.
O que pode mudar
- Em tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 117/2013 prevê que a guarda compartilhada vire regra quando uma união estável ou um casamento termina. Se entrar em vigor, a responsabilidade pela criação dos filhos será dividida entre o pai e a mãe, mesmo que haja litígio, mas desde que ambos estejam aptos e demonstrem o desejo de assumir a tarefa.
- O Superior Tribunal de Justiça já sinalizou receptividade à mudança, concedendo a guarda compartilhada em casos de divergências do ex-casal. Hoje, é comum os juízes optarem pela guarda unilateral quando não há consenso. Se ocorrer a mudança proposta pelo projeto, a guarda compartilhada surgirá sempre como primeira opção.
-Há condições que podem continuar representando impedimento para a guarda conjunta, como um quadro de saúde grave, uma dependência química ou a falta de convívio por longo período (o homem que só reconheceu a paternidade de um filho na adolescência). Também haverá a possibilidade de a guarda ser deferida a terceiros.
-A mudança valerá para casos ocorridos a partir da aprovação da medida, não alterando acertos anteriores. Os interessados poderão entrar na Justiça novamente.
- O PLC 117/2013 passou pela Câmara dos Deputados e está atualmente aguardando votação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. Se aprovado, o próximo passo é a sanção ou o veto presidencial.
Pensão alimentícia
Em quaisquer das modalidades de guarda, está previsto o pagamento de pensão alimentícia — a quantia é destinada não apenas ao custeio da alimentação, mas também a outras despesas, visando à manutenção do padrão de vida dos filhos. Na guarda unilateral ou na compartilhada, pode haver o repasse de dinheiro de forma indireta, e não apenas em espécie: o responsável pelo pagamento da pensão assume a mensalidade escolar ou a do plano de saúde, por exemplo. Mesmo na guarda compartilhada, em que estão previstas decisões conjuntas e divisão de responsabilidades, um dos genitores será o responsável financeiro, recebendo, do ex-companheiro, uma quantia para complementar o orçamento referente à criança. A eventual aprovação do PLC 117/2013 não deve alterar as práticas em vigor.
Fontes: Aline Kopplin, advogada, Analdino Rodrigues Paulino Neto, presidente da Associação de Pais e Mães Separados (Apase), Ana Luiza Carvalho Ferreira, advogada e professora da PUCRS, Conrado Paulino da Rosa, advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) — Seção RS, e Rodrigo da Cunha Pereira, advogado e presidente do IBDFAM