sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Projeto de lei pode tornar guarda compartilhada obrigatória

Queridos leitores! Na seção "Sua Vida" do jornal Zero Hora de 24/08/2014 foi publicada uma matéria da qual fui colaboradora como fonte de legislação e da situação jurídica da guarda de filhos no Brasil. O Projeto de Lei Complementar 117/2013 pretende instituir a guarda compartilhada como obrigatória em casos de litígio, desde que ambos os pais estejam aptos a exercê-la e demonstrem interesse. Traz, ainda, uma série de outras disposições, na tentativa de esmiuçar melhor na legislação o que significa a guarda compartilhada e quais são os deveres dela decorrentes. Tenho convicção que a guarda compartilhada imposta para todos os casos não é a melhor saída e pode violar diversos interesses da(s) criança(s) e/ou adolescente(s). Direito de Família é casuística. É fundamental respeitar a realidade e as necessidades dos indivíduos envolvidos no litígio, cabendo ao Juiz dispor sobre a guarda após observar todas as nuances existentes.

http://zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/vida/noticia/2014/08/projeto-de-lei-pode-tornar-guarda-compartilhada-obrigatoria-4581887.html

____________

Projeto de lei pode tornar guarda compartilhada obrigatória

Projeto de lei pode tornar guarda compartilhada obrigatória Mateus Bruxel/Agencia RBS


Separados desde dezembro, depois de 14 anos juntos, os empresários Sabine e Fábio Mondardo continuam se encontrando quase todos os dias. Murilo, seis anos, motiva a manutenção dos laços entre os ex-companheiros. Estão, os três, em adaptação a uma nova rotina que tenta, da melhor forma possível, reproduzir a anterior. O pai é quem leva o filho na escola, a mãe busca, e os finais de semana são alternados.
Preparando-se para formalizar a guarda compartilhada, o ex-casal optou de maneira espontânea pelo formato que, em breve, pode virar norma. Está em apreciação no Congresso o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 117/2013, que, se aprovado em todas as instâncias e sancionado pela Presidência, determina a guarda conjunta ao final do relacionamento, mesmo quando não houver consenso — o contexto de atrito geralmente motiva os juízes brasileiros a optarem pela guarda unilateral, beneficiando quase sempre a mulher (leia mais na página seguinte). A possibilidade de mudança na legislação estimula um intenso debate entre especialistas e famílias, que procuram antecipar, listando prós e contras, o impacto da novidade.
— Mesmo em casas diferentes, queríamos continuar sendo pai e mãe. Achamos que seria melhor os dois decidirem por tudo — explica Sabine.
Em acompanhamento psicológico desde que o pai mudou de endereço, para tornar a transição mais amena, Murilo sentiu o abalo nos primeiros meses. Recusava-se a ir para as aulas do 1º ano, regrediu em algumas habilidades, esforçava-se para restabelecer a normalidade.
— Queria que você fosse namorada do pai — pedia à empresária.
Na residência de súbito grande demais, em Novo Hamburgo, Sabine cogitou ir para outro lugar, mas desistiu ao perceber que o afastamento dos amigos da vizinhança seria mais um baque para o menino. Hoje, oito meses depois, tudo está sendo melhor assimilado. O apartamento de Fábio ficou mais aconchegante para o garoto ao ganhar elementos conhecidos, trazidos da casa principal: um edredom, um colchão, brinquedos, porta-retratos com fotos da família.
— Tenho duas casas e dois quartos — conta Murilo com empolgação.
Sabine e Fábio já ultrapassaram o marco que costuma ser o mais delicado para os cônjuges que se apartam e necessitam manter um mínimo de tolerância para preservar os filhos que são da antiga união: iniciaram outros relacionamentos.
— Teve o momento de tristeza, de luto, mas nunca teve desrespeito. Tenho a experiência dos meus pais, que se separaram. A presença masculina é muito importante para a criança. Vou fazer o maior esforço possível para que ele esteja sempre presente — afirma Sabine.
Fábio destaca que não é preciso que a lei dite o comportamento adequado. Os dois estabelecem as bases da convivência e, quando surgem contratempos no trabalho ou outros compromissos, improvisam a melhor solução, solicitando a ajuda do outro. Reforçando o discurso da ex-mulher, o empresário define:
— Tem dois caminhos na separação, o bom e o ruim. Nós optamos pelo bom.
Depoimento
Marco Antonio*, 28 anos, pai que busca na Justiça a guarda compartilhada
Ela não sorriu ao me ver
"Nos separamos pouco depois de a Julia* nascer. Entrei com o pedido de guarda compartilhada. O juiz disse que a guarda natural é da mãe, que não existe guarda compartilhada para uma criança de seis meses. Um absurdo. Fiquei com visitas a cada 15 dias e uma hora na semana. É muito pouco. Teve uma ocasião em que fiquei três semanas sem vê-la. Foi como se eu não existisse. Ela não sorriu ao me ver, fiquei chocado.
A criança precisa do duplo referencial, precisa dos dois modos de vida, conhecer as duas pessoas para formar o próprio pensamento. Com a guarda compartilhada, posso suprir as faltas que enxergo. Vacinas foram atrasadas, consultas médicas também. A mãe não a leva ao pneumologista e não deixa que eu a leve. Tem sentimento de posse, não de guarda.
Divido uma casa com a minha mãe e a minha irmã, mas projeto ter uma só minha, com um quarto para a Julia. Minha filha, hoje com um ano e meio, tem um bom relacionamento comigo, é bem apegada. Às vezes ela me chama de pai, às vezes não. Não é uma constante, falta convívio. Não sei se ela já assimilou bem que sou o pai. Ela sabe que sou uma pessoa que a pega para passear. Está sempre louca para sair, mas não sei se tem noção de que está saindo com o pai dela.
Sei que vai ser necessário um contato maior com minha ex-mulher para tomarmos decisões. Mas só sobre assuntos da Julia, não pergunto nada sobre a vida dela. Ela odeia a ideia da guarda compartilhada. Tentei a via amigável, e ela disse que não abre mão da guarda unilateral.
Estou confiante. Tem bastante gente que me conhece e sabe que, quando a menina está comigo, faço tudo, sou um pai ativo. Se o juiz não partir daquele princípio antigo de que o pai é só um provedor e que a mãe é quem deve cuidar, acho que consigo."
* Os nomes foram trocados para preservar as identidades
Por dentro da legislação
Como é hoje
-Guarda unilateral: é exercida pelo pai ou pela mãe, por consenso obtido entre ambos ou a partir de uma decisão do juiz quando não há acordo entre as partes. O filho mora com a mãe, por exemplo, e é organizado um esquema de visitas para que ele passe tempo com o pai, com datas festivas e finais de semana alternados. O detentor da guarda assume a condução da rotina do filho e toma as decisões referentes a escola, atividades extraclasse, cuidados com a saúde etc.
-Guarda compartilhada: a responsabilidade pelos direitos e deveres do filho é conjunta. Pode ser acordada entre os dois ou decretada pelo juiz. A criança ou o adolescente costuma ter estruturas semelhantes em duas casas — um quarto na casa do pai e outro na casa da mãe. De acordo com a situação, definem-se as bases da convivência: o filho passa finais de semana alternados com os pais e, durante a semana, divide-se entre as duas residências.
O que pode mudar
- Em tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 117/2013 prevê que a guarda compartilhada vire regra quando uma união estável ou um casamento termina. Se entrar em vigor, a responsabilidade pela criação dos filhos será dividida entre o pai e a mãe, mesmo que haja litígio, mas desde que ambos estejam aptos e demonstrem o desejo de assumir a tarefa.
- O Superior Tribunal de Justiça já sinalizou receptividade à mudança, concedendo a guarda compartilhada em casos de divergências do ex-casal. Hoje, é comum os juízes optarem pela guarda unilateral quando não há consenso. Se ocorrer a mudança proposta pelo projeto, a guarda compartilhada surgirá sempre como primeira opção.
-Há condições que podem continuar representando impedimento para a guarda conjunta, como um quadro de saúde grave, uma dependência química ou a falta de convívio por longo período (o homem que só reconheceu a paternidade de um filho na adolescência). Também haverá a possibilidade de a guarda ser deferida a terceiros.
-A mudança valerá para casos ocorridos a partir da aprovação da medida, não alterando acertos anteriores. Os interessados poderão entrar na Justiça novamente.
- O PLC 117/2013 passou pela Câmara dos Deputados e está atualmente aguardando votação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. Se aprovado, o próximo passo é a sanção ou o veto presidencial.
Pensão alimentícia
Em quaisquer das modalidades de guarda, está previsto o pagamento de pensão alimentícia — a quantia é destinada não apenas ao custeio da alimentação, mas também a outras despesas, visando à manutenção do padrão de vida dos filhos. Na guarda unilateral ou na compartilhada, pode haver o repasse de dinheiro de forma indireta, e não apenas em espécie: o responsável pelo pagamento da pensão assume a mensalidade escolar ou a do plano de saúde, por exemplo. Mesmo na guarda compartilhada, em que estão previstas decisões conjuntas e divisão de responsabilidades, um dos genitores será o responsável financeiro, recebendo, do ex-companheiro, uma quantia para complementar o orçamento referente à criança. A eventual aprovação do PLC 117/2013 não deve alterar as práticas em vigor.
Fontes: Aline Kopplin, advogada, Analdino Rodrigues Paulino Neto, presidente da Associação de Pais e Mães Separados (Apase), Ana Luiza Carvalho Ferreira, advogada e professora da PUCRS, Conrado Paulino da Rosa, advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) — Seção RS, e Rodrigo da Cunha Pereira, advogado e presidente do IBDFAM

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Famílias acolhedoras: De portas e coração abertos para crianças que aguardam um lar

Acolher uma criança ou um adolescente que sofreu maus tratos, abuso sexual ou que foi abandonada pode não ser tarefa fácil. A carga emocional que envolve cada caso é pesada. Num abrigo, por mais que os esforços sejam no sentido de receber bem esses jovens, as dificuldades são muitas: desde falta de estrutura física, financeira até a atenção limitada para cada uma daquelas vidas que ali estão temporariamente. A ideia de utilizar as famílias transitórias vem ganhando força. A medida representa a possibilidade da convivência familiar, pode minimizar sofrimentos e ser uma experiência enriquecedora para quem empresta um pouco da sua vida a esses jovens.
Na Comarca de Santo Ângelo, atualmente há 14 jovens (cinco adolescentes e nove crianças) em acolhimento familiar. O acompanhamento diário é feito pela equipe técnica do programa, coordenado pelo Município, e pelo Juizado da Infância e Juventude (JIJ). O acolhimento familiar está previsto como medida protetiva no art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente - juntamente com o acolhimento institucional - nas hipóteses em que as crianças ou adolescentes estejam em situação de vulnerabilidade, sem condições de permanecer com a família de origem.
Mesmo que o acolhimento familiar tenha preferência sobre o institucional, como determina o ECA, essa medida só ganhou força em 2009, com a vigência da Lei Nacional de Adoção. "Diferentemente do acolhimento institucional - antigo abrigo - com seu atendimento massificado, com todos os problemas que são amplamente conhecidos por quem milita na área da Infância e Juventude, o acolhimento familiar propicia um atendimento individualizado, solidário, humanizado para crianças e adolescentes que temporariamente estão afastados do convívio com a família de origem, ou mesmo na pendência de um processo de destituição do poder familiar", afirma o Juiz de Direito Luís Carlos Rosa.
Os benefícios de estar numa casa, cita o Juiz, são muitos. "Não tenho a menor dúvida de que o acolhimento institucional precisa, urgentemente, passar por uma reformulação, existem dificuldades de toda ordem - financeira, estrutural, técnica - sem contar o sentimento de institucionalização dos acolhidos, que não veem a hora de ser desacolhidos, havendo uma nítida falta de sintonia entre a burocracia do processo e o tempo dessas crianças e adolescentes, que acabam vendo os dias, meses e por vezes anos passarem sem que seja dada uma solução".
Longo caminho
O desafio é conseguir mais famílias que se disponham a receber esses jovens. Hoje, na Comarca, são 12 famílias cadastradas, sendo que nove estão acolhendo. "Boa parte das pessoas sequer se cadastram, sequer passam pela seleção, quando são esclarecidas dos objetivos do acolhimento, quando tomam conhecimento que o acolhimento é temporário, o que é perfeitamente compreensível, na medida em que não há como imaginar que quem acolha uma criança ou adolescente, não venha a se apegar, a criar laços a amá-la. O desafio está em encontrar pessoas que, mesmo sabendo disso, exerçam a solidariedade e o amor de forma incondicional, sabendo que serão extremamente importantes na vida daquela criança, ou adolescente, auxiliando na formação da personalidade, mesmo que de forma transitória", considera o Juiz.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de crianças e adolescentes acolhidos por famílias ainda é baixo se comparado ao universo de acolhidos no Brasil. São cerca de 730 crianças e adolescentes para 45,7 mil meninas e meninos abrigados, de acordo com dados do Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA), em maio deste ano. Ainda conforme o CNJ, são 381 famílias acolhedoras no país.
Decisão em família
"Muitas vezes me perguntei: Se eu fosse uma dessas crianças, onde eu preferiria estar? No abrigo ou acolhido em uma família?". Foi buscando essa resposta que a Pediatra Adriana Pizzutti dos Santos, de 48 anos, resolveu que iria participar do programa de famílias acolhedoras de Santo Ângelo. Ela soube da iniciativa através de uma amiga advogada e, após conversar com os dois filhos - Lucas, de 19 anos, e Natália, 16 - resolveu fazer parte da iniciativa. "Meses antes eu havia visitado, juntamente com um grupo de jovens, um abrigo para crianças, que estavam afastadas de suas famílias, por situações várias que colocavam em risco a sua segurança, e senti grande compaixão pela situação de todas elas. A partir daí comecei a pensar na possibilidade do acolhimento", conta a médica.
Tomada a decisão, ela procurou o programa, encaminhou a documentação e deu início ao processo de habilitação. A equipe - formada por pedagoga, assistente social e psicóloga - esteve várias vezes na casa dela para analisar a possibilidade de acolhimento. "Recebi informações valiosas e pude tirar dúvidas, em conversas agradáveis e muito produtivas", ressalta.
Adriana ficou quase sete meses com um menino de 8 meses, até que ele foi adotado por uma família que estava há sete anos na fila. A experiência, ela garante, foi transformadora. Tanto que ela e a família estão de portas e corações abertos para um novo acolhimento.
Fonte: TJRS (www.tjrs.jus.br), 14/08/2014. Foto: reprodução de obra de "Os Gêmeos".