sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Divórcio colaborativo

Atualmente, na hora do divórcio é possível contar com profissionais capacitados que se comprometam a não litigar e que resolvam todas as questões envolvidas - filhos, finanças, sentimentos - da forma mais pacífica e auto-sustentável possível, através de práticas colaborativas.
Saiba um pouco mais na matéria a seguir:

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Cadastro Nacional de Adoção

Você já conhece o Cadastro Nacional de Adoções? Nesse link, selecionando o Estado e a Comarca de interesse, é possível verificar quantas crianças estão disponíveis para adoção, incluindo características como faixa etária, sexo e cor. O maior número fica sempre entre os adolescentes entre 11 e 15 anos, do sexo masculino, da cor negra. Se você pensa em adotar uma criança ou um adolescente, saiba que é necessário fazer um cadastro oficial na Vara da Infância e Juventude da Comarca onde reside. Informe-se!

Realidade brasileira sobre adoção


A diferença entre o perfil desejado pelos pais adotantes e as crianças disponíveis para serem adotadas

Para cada criança pronta para adoção, há seis pessoas dispostas a acolhê-las na família, mas diferença entre perfil idealizado e o mundo real é obstáculo à redução da enorme fila de espera.


(ilustração: maíra paz)

O tema da adoção no Brasil é um desafio de enormes dimensões, como comprova a análise dos dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e do Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA), administrados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Existem hoje cerca de 5.500 crianças em condições de serem adotadas e quase 30 mil famílias na lista de espera do CNA. O Brasil tem 44 mil crianças e adolescentes atualmente vivendo em abrigos, segundo o CNCA — em fevereiro do ano passado, eram 37 mil. Se há tantas pessoas dispostas a acolher uma criança sem família, por que o número de meninas e ­meninos do cadastro não para de crescer?
Na avaliação do próprio CNJ, a resposta pode estar na discrepância que existe entre o perfil da maioria das crianças do cadastro e o perfil de filho, ou filha, imaginado pelos que aguardam na fila da adoção. “Nacionalmente, verifica-se que o perfil das crianças e adolescentes cadastrados no CNA é destoante quando comparado ao perfil das crianças pretendidas, fato que reveste a questão como de grande complexidade”, admite o CNJ no documento Encontros e Desencontros da Adoção no Brasil: uma análise do Cadastro Nacional de Adoção, de outubro de 2012.
Criado em abril de 2008, antes mesmo da entrada em vigor da nova legislação sobre o tema, o CNA tinha como principal objetivo dar mais rapidez e transparência aos processos. Nos três anos seguintes, foram 3.015 adoções no Brasil, uma média de quase três por dia. Um ritmo que pode, ainda, estar em queda. De acordo com dados da Seção de Colocação em Família Substituta da 1ª Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal, a média mensal de adoções caiu depois das novas exigências legais. Em 2010, a Justiça autorizou 195 adoções no DF — média mensal de 16,25 casos. Em 2011, foram menos: 144 no total, ou apenas 12 por mês.


Incompatíveis

A análise dos perfis do CNA indica que é falsa a crença comum de que o maior obstáculo às adoções no Brasil é a questão racial. Cerca de um terço (32,36%) dos pretendentes só aceita crianças brancas, que representam exatamente três em cada dez das cadastradas. Por esse viés, portanto, não existiria dificuldades. Até porque quase 100% das famílias se dispõem a acolher crianças negras ou pardas, que são duas em cada três do cadastro. Além disso, nada menos que 38,72% se declaram indiferentes em relação à raça do futuro filho ou filha.
Incompatibilidade difícil de ser suplantada é, na verdade, o fato de que apenas um em cada quatro pretendentes (25,63%) admite adotar crianças com quatro anos ou mais, enquanto apenas 4,1% dos que estão no cadastro do CNJ à espera de uma família têm menos de 4 anos. Em 13 de março deste ano, eram apenas 227 em um universo de 5.465. Por isso, cada dia que passam nos abrigos afasta as crianças ainda mais da chance de encontrar um novo lar. Tanto que é inferior a 1% o índice de pessoas prontas a adotar adolescentes (acima de 11 anos), que por sua vez respondem por dois terços do total de cadastrados pelo CNJ.
Outro fator que costuma ser sério entrave à saída de crianças e adolescentes das instituições de acolhimento, de acordo com as estatísticas do CNJ, é a baixa disposição dos pretendentes (17,51%) para adotar mais de uma criança ao mesmo tempo, ou para receber irmãos (18,98%). Entre os aptos à adoção do CNA, 76,87% possuem irmãos e a metade desses tem irmãos também à espera de uma família na listagem nacional. Como os juizados de Infância e Adolescência dificilmente decidem pela separação de irmãos que foram destituídos das famílias biológicas, as chances de um par (ou número maior) de irmãos achar um novo lar é muito pequena.


Demora crítica

Para o senador Magno Malta (PR-ES), a morosidade nos processos de adoção acaba contribuindo para que vidas sejam ­desperdiçadas.
“Algumas dessas crianças vão se prostituir depois dos 12, 13 anos de idade porque não aguentam mais. Saltam o muro do abrigo, vão para a rua e não voltam. Dizem que a rua é o lugar delas. Estão roubando e assaltando, pagando o preço desse tipo de raciocínio de quem tem o poder e podia facilitar as coisas, mas não faz isso”, lamenta o senador.
“Adotar é algo louvável. Mas durante o processo de adoção não pode haver irregularidades e atos que violem os direitos humanos, não só dos adotantes como dos adotados”, argumenta o também senador Paulo Paim (PT-RS), que presidia a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado quando aconteceram os debates.
As explicações para o desinteresse dos brasileiros em acolher crianças maiores ou adolescentes têm origem no fator predominante que leva uma família a decidir pela adoção.

Fonte: http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/adocao/realidade-brasileira-sobre-adocao.aspx

domingo, 27 de setembro de 2015

O que é alienação parental?

Às vezes ouvimos e lemos tantas informações superficiais sobre um conceito ou um fato que acabamos achando que sabemos o que ele significa, quando, na verdade, estamos prejudicando a compreensão sobre o assunto.
Você sabe mesmo o que é alienação parental? Pode garantir que seu filho não esteja sendo alvo ou você mesmo não a esteja estimulando dentro de sua casa?
A alienação parental, como uma prática, possivelmente exista desde que o mundo é mundo. Mas, como conceito, a Síndrome da Alienação Parental (SAP) foi abordada pela primeira vez no ano de 1985, por um perito e professor do Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia (NY, USA) chamado Richard Gardner, que se interessou em estudar os sintomas apresentados pelas crianças nos processos de divórcio. Gardner escreveu um artigo sobre as tendências atuais da época em disputas de divórcio e de guarda e, com ele, estimulou diversas pesquisas sobre o tema.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Setembro de 2015 e, até hoje, não foi sentenciada a ação civil pública que a APTA - Associação de Pesquisas e Técnicas Ambientais - promove, sob o patrocínio da advogada Aline Kopplin, contra três empresas mineradoras responsáveis por graves danos ambientais no leito do Rio Jacuí. Abaixo, postamos um vídeo da audiência pública realizada em 2013, dias antes de ter sido prolatada decisão liminar que proibiu a mineração no local. Um tempo depois, em uma audiência com participação da então secretária-adjunta da Casa Civil, Mari Perusso, e a hoje secretária-adjunta do Meio Ambiente no Estado do RS, Maria Patrícia Mölmann , o Estado do RS comprometeu-se a disponibilizar valor suficiente para a realização do zoneamento econômico ecológico na região, permitindo uma análise concreta da viabilidade da mineração. Até hoje, contudo, esse zoneamento, que tinha cronograma de três anos, não foi feito e o processo segue sem sentença. Estamos de olho!


sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Vidas paralelas

  Na Revista Piauí de setembro, foi publicada uma matéria bem curiosa sobre o que acontece quando dois pares de gêmeos univitelinos descobrem que foram embaralhados ainda bebês – e imaginam o que suas vidas poderiam ter sido.
  Segue na íntegra:


Compartilhar:

Vidas paralelas

O que acontece quando dois pares de gêmeos univitelinos descobrem que foram embaralhados ainda bebês – e imaginam o que suas vidas poderiam ter sido
por SUSAN DOMINUS
Tamanho da letra:
Imprimir:
Janeth Páez e Laura Vega Garzón queriam comprar costeletas de porco para um churrasco naquele dia, um sábado do verão de 2013. Janeth sugeriu que fossem a um supermercado no norte de Bogotá, não muito longe de onde morava a amiga. Lá trabalhava William, primo de seu namorado, um rapaz muito simpático com forte sotaque caipira, hábil em cortar bifes e os pés de porco que os fregueses gostavam de cozinhar com feijão. Janeth tinha certeza de que conseguiria um bom desconto.
Laura encontrou Janeth no estabelecimento e, na seção de carnes, se surpreendeu ao topar com um conhecido. Atrás do balcão identificou um colega da firma de engenharia onde trabalhava, a Strycon. Acenou efusivamente, mas ele mal notou sua presença. “Esse aí é o Jorge!”, disse Laura. “Ele trabalha lá no escritório.” Jorge era um rapaz muito popular, de 24 anos, que desenhava tubulações para transporte de petróleo. Trabalhava numa sala alguns andares acima de onde ficava Laura. Por isso ela estava surpresa em vê-lo ali, atendendo aos fregueses no açougue do supermercado.
“Não é, não. Esse é o William”, Janeth corrigiu. William trabalhava duro e raras vezes deixava o balcão; só saía dali para ir dormir. Com certeza não era funcionário da Strycon. “Mas é o Jorge, conheço ele”, Laura insistiu. O sujeito, no entanto, não retribuía os sorrisos dela, o que era estranho. Passados alguns instantes, ele saiu de trás do balcão para um cumprimento rápido. Deu um abraço em Janeth, que o apresentou a Laura como William.
Laura ficou perplexa. Por que Jorge fingia ser outra pessoa? Talvez, pensou, tivesse ficado com vergonha de ter sido flagrado fazendo um bico – com o avental ensanguentado, o boné branco de açougueiro. Janeth insistiu que a amiga estava enganada, mas Laura não se deixou convencer. Para ela, era mais fácil acreditar que o rapaz estava se fazendo passar por outro do que imaginar que pudessem existir duas pessoas tão idênticas. Não era só a cor da pele ou as maçãs do rosto saltadas: era o porte físico, a textura dos cabelos, o jeito da boca e dezenas de outros detalhes que ela não conseguia identificar de imediato, mas cujo conjunto resultava numa semelhança bizarra.
Na segunda-feira seguinte, na Strycon, Laura contou a Jorge sobre aquele insólito mal-entendido com o sósia dele no supermercado. Jorge riu e disse que, de fato, tinha um irmão gêmeo chamado Carlos, mas que os dois não se pareciam nem um pouco. Naquele momento, Jorge tinha diante de si indícios suficientes para pensar que sua vida e sua família não eram o que ele imaginava ser. Mas, como diz um ditado que seu irmão Carlos, um homem de muitos provérbios, às vezes aplicava a Jorge, “O pior cego é aquele que não quer ver”.

Um mês depois, Laura disse à amiga que abrira uma vaga no departamento de desenho da firma, e Janeth conseguiu o emprego. Quando foi apresentada a Jorge, logo compreendeu a confusão de Laura no açougue. Os dois rapazes tinham os mesmos olhos castanhos e suaves, o mesmo jeito saltitante de andar, com os pés voltados para fora, o mesmo sorriso alegre e contagiante. Janeth, porém, não se sentiu à vontade para comentar sobre o episódio com um recém-conhecido. Mas foi ao supermercado e mostrou a William uma foto de Jorge. O rapaz riu e exibiu a foto aos colegas, divertido com a coincidência.
Seis meses mais tarde, Janeth trocou o emprego na Strycon por outro. Ainda assim, sempre que ela e o namorado encontravam William, Janeth se perguntava se não deveria ter falado dele a Jorge. A dúvida a incomodava tanto que, por fim, no dia 9 de setembro de 2014, Janeth enviou a Laura uma mensagem por celular com uma foto de William, para que a amiga a mostrasse a Jorge. Laura foi até o departamento dele. Queria ver como Jorge reagiria à foto. Sorrindo, ele deu uma olhada no celular. “Mas este sou eu!”, disse, com os olhos grudados na tela.
William vestia a camisa amarela da seleção colombiana, praticamente o uniforme nacional em dias de jogos importantes. Jorge usava com frequência aquela camisa, o que tornava ainda mais palpável a semelhança com o sujeito da foto. Um amigo passava por ali e Jorge quis ouvir a opinião dele. “Me diz o que você acha desta foto”, falou, mostrando-lhe o celular. “Você está ótimo”, respondeu o amigo. “É, só que não sou eu”, disse Jorge, que não conseguia despregar os olhos da imagem.
Naquele dia, ele desistiu de trabalhar. Não conseguia fazer mais nada. Foi conversar com Laura na cozinha do escritório. Talvez o pai dele, figura praticamente ausente na casa da família, tivesse tido outro filho, jamais mencionado. Jorge se pôs a olhar as fotos de William no Facebook, agora em seu próprio celular. Apreensivo, deteve-se numa das fotos em que o açougueiro usava avental – parecia-se muito com ele próprio, nos raros dias em que vestia avental no laboratório. Deu uma espiada também numa foto de William com um amigo, cada um deles segurando um copinho de licor.
Depois, foi para o computador, a fim de estudar as imagens ampliadas. Clicou novamente na foto de William com o amigo. Agora, diante da imagem maior, pôde examinar o que não notara ao contemplar a foto no celular. Aproximou-se da imagem, seu nariz quase tocando a tela. Os cabelos do homem haviam sido penteados para trás como uma crista de galo, e a camisa não tinha nada a ver. Mas, fora isso, ali estavam o lábio inferior carnudo e os espessos cabelos castanhos que Jorge conhecia bem. Os botões da camisa sofriam a ligeira pressão de uma barriguinha incipiente que lhe era bem familiar. Jorge ficou confuso e sentiu um frio no estômago. O amigo sentado ao lado de seu sósia tinha um semblante que ele conhecia melhor que o seu próprio: era o rosto de seu irmão gêmeo, Carlos.

Ao sair do trabalho, Jorge, como de costume, caminhou até a faculdade em que estudava à noite. Durante todo o trajeto, contemplava as imagens no celular. Depois das aulas, pegou um ônibus para casa.
Na infância, Carlos fora aquele que fazia as tarefas da escola com esmero; Jorge, aquele que só copiava as respostas. Agora ambos estavam bem. Carlos trabalhava numa firma de contabilidade e também cursava faculdade à noite. Dividiam um apartamento de dois quartos, pequeno mas confortável, num bairro de classe média, o que já era um passo adiante em relação ao lar da infância. A mãe, empregada doméstica, havia criado os dois filhos e uma filha mais velha, Diana, num cômodo apertado de uma casa em Bogotá de propriedade da avó deles. Nunca lhes faltara nada. Enfiaram uma tevê e uma geladeira naquele espaço minúsculo, e as escolas públicas da vizinhança eram boas. Agora, porém, haviam progredido – Jorge podia viajar para assistir a jogos de futebol, e Carlos podia desfrutar da vida noturna. Os três irmãos só lamentavam que a mãe, morta de um câncer no estômago quatro anos antes, não tivesse vivido o bastante para que eles pudessem lhe proporcionar uma vida melhor.
No ônibus, Jorge planejou o que, exatamente, diria a Carlos. Já comentara a respeito das fotos com Diana. “Mas não fica azucrinando o Carlos com essa história”, ela aconselhara. Chegando em casa, encontrou o irmão ao telefone. Como de costume, falava com uma mulher. Jorge lhe disse para desligar. “Não enche”, Carlos respondeu. Era a dinâmica dos dois: Jorge o importunava, fazia piadas, pegava no pé sem parar, e Carlos se irritava. Quanto mais conseguia irritar o irmão, mais Jorge se divertia.
Por fim, Carlos encerrou o telefonema. Jorge decidiu que tentaria manter o clima ameno. Começou a conversa com uma pergunta: “O que você diria se eu te contasse que você tem um gêmeo idêntico?” Carlos não pareceu ter achado graça. Jorge tentou de novo: “Você acredita em novela?”
Carlos estava perdendo a paciência. Se Jorge tinha alguma coisa a dizer, que dissesse de uma vez. O recém-chegado conduziu o irmão ao quarto e o sentou diante do laptop. Começou a clicar nas fotos, mostrando-lhe William com a camisa da seleção e outras, no açougue. Carlos riu, zonzo com a estranha semelhança. Então, Jorge clicou na foto de William ao lado do sósia de Carlos, a foto em que aparecem segurando um copinho de bebida.
Ao contrário de Jorge, cuja primeira reação havia sido examinar a foto mais de perto, Carlos deu um pulo para trás, como se tivesse levado um golpe no peito. “Quem são?”, perguntou. Parecia furioso.
O irmão contou a Carlos tudo que Janeth e Laura haviam lhe revelado. Os dois rapazes na foto foram criados numa fazenda distante em Santander, uma região predominantemente rural mais ao norte, cujos habitantes tinham fama de ter o pavio curto e gostar de armas. De acordo com o Facebook, nasceram no final de dezembro de 1988, assim como eles dois.
Jorge sugeriu que talvez tivesse ocorrido algum engano no hospital – uma enfermeira podia acidentalmente ter trocado um gêmeo idêntico por outro bebê, de outro par de gêmeos. Não disse, porém, o que aquilo significava: que um dos dois, ou ele ou Carlos, tinha nascido de outra mãe; que provavelmente não eram irmãos gêmeos nem sequer tinham parentesco biológico. Nenhum dos dois quis reconhecer o que ambos já sabiam: que, se por acaso alguém havia entrado por acidente na família, era quase certo que esse alguém era Carlos.

Carlos não se parecia nem com Jorge nem com Diana. Seus irmãos tinham uma constituição física mais delicada, as maçãs do rosto saltadas e os olhos da mãe. Carlos era mais alto, de constituição robusta, tinha um nariz mais largo e a testa mais ampla. E o contraste não era meramente físico: Carlos sempre se sentira um estranho na família, embora preferisse pensar que era independente. Quando criança, não se interessava pelas brincadeiras de faz de conta de que a mãe e os irmãos gostavam, as vozes engraçadas que faziam por horas a fio, fingindo ser outra pessoa. Desde que a mãe morreu, mantinha com Diana um contato esporádico, diferentemente de Jorge. Era o único da família que se importava com moda, e Deus sabe que era também o único que sabia dançar. Os dois irmãos sempre haviam pensado que Carlos puxara ao pai, mas não o conheciam bem o bastante para ter certeza disso.
Aquele sentimento de distância, contudo, não arrefeceu a ligação de Carlos com a mãe. Sempre a adorou: era uma mulher forte, sem ser dura – quando ele e Jorge brigavam, ela batia neles com um chinelo macio, o que sempre os fazia rir e era, provavelmente, o que ela pretendia. Por menos dinheiro que tivesse, ela procurou garantir aos filhos boas escolas e os estimulou a sonhar alto. Carlos atribuía a ela tudo que conseguiu na vida.
Sentado ali ao lado de Jorge, fechou o laptop e permaneceu calado. Em seguida, foi para seu quarto e bateu a porta. Jorge foi atrás, dizendo coisas que, Carlos sabia, visavam apenas consolá-lo – pouco importa se um de nós foi trocado: ainda somos irmãos –, mas que só o faziam se sentir mais isolado ainda. “Escute”, ele disse a Jorge, “vamos deixar essa história para lá.” Pediu ao irmão que nunca mais tocasse no assunto.
Naquela noite, Carlos mal dormiu. Nada daquilo fazia sentido. Sua mãe poderia não tê-lo gestado e criado? Já havia chorado uma vez por tê-la perdido e, agora, experimentava novo luto, como se a estivesse perdendo de novo. Sentia-se sem chão, impotente, sozinho. No outro quarto, Jorge dormia como uma criança.

No dia seguinte, logo depois de William abrir o açougue, seu primo Brian – o namorado de Janeth – chegou para seu turno de doze horas. William, que logo fora promovido a gerente da seção, estava feliz por ter contratado o primo, que continuava a estudar. Em muitos aspectos, sentia-se mais próximo dele do que de seu gêmeo fraterno, Wilber. Brian cresceu em Bogotá, e quando William chegou à capital, em 2009, os dois passavam os dias fazendo e vendendo arepas, as tortilhas típicas do país. Na rua, debaixo de chuva ou sob o calor de rachar, os dois riam o tempo todo, fazendo graça para os fregueses. Já William e Wilber não se aturavam, sempre davam nos nervos um do outro. Quando, mais tarde, Wilber juntou-se a ele no açougue, em vez de atender aos clientes, estava sempre fazendo limpeza – e isso incomodava o irmão, que sentia contestada sua autoridade. Wilber era estourado, incapaz de suportar uma brincadeira.
Enquanto Brian e William organizavam as carnes, Brian contou que na véspera Janeth havia lhe mostrado fotos de dois desconhecidos que o haviam perturbado muito – um era a cara de Wilber, o outro, idêntico a William. O primo achou graça, ficou curioso. Lembrava-se de que Janeth também lhe mostrara uma foto de seu sósia, meses antes. Mas aquela nova coincidência o intrigou ainda mais. Enviou uma mensagem à amiga, pedindo para ver as fotos. Assim que a primeira delas chegou, William soltou um grito – “Aiiiii!” – e começou a rir.
Talvez, Janeth escreveu, ou ele ou o irmão tivesse ficado doente em Santander e fora enviado a um hospital em Bogotá. William entrou em contato com uma tia, que lhe confirmou que ele havia sido transferido para um hospital em Bogotá logo depois do parto. Os dois tinham nascido de sete meses, e William tivera problemas digestivos. A tia informou que ele havia sido tratado no Materno Infantil da capital. William passou a informação a Janeth, que decidiu perguntar a Jorge onde ele e o irmão haviam nascido. Se o parto tivesse sido feito no Materno Infantil, então tudo se encaixava: só podia ter havido uma troca.
Até aquele momento, William, assim como Janeth, estava achando divertido o suspense todo. Agora, no entanto, uma onda de ansiedade o invadia. Ele sempre teve um aspecto diferente do resto da família e almejava coisas diferentes – uma vida mais intensa do que aquela que levava no campo. Mas nunca aventou a possibilidade de que de fato fosse diferente, isto é, de que não pertencesse àquela família. Olhou ao redor, mas mal conseguia discernir os fregueses, os nacos de carne ensanguentada, o primo preocupado. Saiu e subiu as escadas rumo a seu apartamento, no 3º andar do mesmo prédio. De lá, pôs-se a escrever compulsivamente para Janeth, para ver se ela já tinha alguma informação sobre o hospital em que Jorge nasceu.
Minutos mais tarde, retornou apressado e mostrou a Brian a resposta dela: Jorge e Carlos tinham nascido no Materno Infantil. “Confirmado”, disse. Depois, sentou-se num banco nos fundos do açougue e caiu no choro. Cada pensamento desencadeava outro igualmente doloroso. Ele havia sido arrancado de seu lugar de direito. Era um desaparecido de quem ninguém sentia falta, porque nem sequer o conheciam. Como ele iria contar aquilo a sua mãe? Dos seis filhos, era ele quem mandava dinheiro. Era ele que se preocupava quando ela ficava doente e que, se triste, costumava animá-la, enchendo-a de abraços, beijos e mordidinhas na orelha para fazê-la rir. A notícia partiria seu coração, como agora partia o dele.
Apenas uma vez na vida William falou duro com a mãe, poucos anos antes. Havia concluído o serviço militar e tinha se saído bem: dos 92 soldados de seu pelotão, foi o único premiado com uma bolsa de estudos para se formar como suboficial, um caminho que lhe propiciaria uma educação e um salto significativo em termos de status. Os militares, contudo, não puderam lhe conceder a honraria quando se revelou que os pais o haviam tirado da escola aos 12 anos e que ele, portanto, não tinha diploma equivalente ao do ensino médio.
“Você devia ter me deixado ir à escola”, gritou com a mãe ao chegar em casa, em Santander. A escola mais próxima, porém, ficava a cinco horas de caminhada, razão pela qual a família teria precisado de recursos para alojá-lo, comprar-lhe o uniforme e pagar as taxas de matrícula – além de precisar substituí-lo em seu trabalho na lavoura. Ainda assim, William achava que a mãe deveria ter encontrado um meio, que deveria ter sido mais hábil e lutado com todas as suas forças.
Enquanto chorava sentado no banco, William experimentava uma primeira onda de sentimentos que somente com o tempo seria capaz de articular: revia a preocupação e a sensação de culpa da mãe; a oportunidade perdida de crescer em Bogotá, frequentando uma escola, em vez de trabalhar na lavoura, ajudando na colheita; o pesar por ter sempre se sentido diferente do restante da família, uma família que o amava, mas que também o importunava por ele não se enquadrar nela. Perplexo, Brian, a seu lado, não sabia o que dizer. Não tinha palavras para uma situação como aquela. Para seu alívio, passados dez minutos, William parou de chorar e se levantou. O que sabia fazer era trabalhar; era, pois, o que iria fazer. Retomaram o estrado do açougue e começaram a limpar o balcão e a guardar os utensílios, à espera dos fregueses.
Por fim, William enviou uma mensagem de texto a Wilber, que naquele dia estava de serviço em outro açougue. Pediu a ele que viesse o mais rápido possível. À tarde, quando o irmão chegou, William disse que precisava lhe mostrar uma coisa – e clicou no celular numa foto de Jorge e Carlos. Wilber percebeu de cara, com total clareza, o que os outros levaram horas para compreender. “Então nós fomos trocados?”, disse, encolhendo os ombros e incomodado com a gravidade que William parecia querer atribuir ao fato. “Pouco me importa quem sejam. Você é meu irmão e vai continuar sendo até eu morrer.”

De vez em quando – horas depois da concepção ou, em geral, vários dias depois –, as forças que unem células recém-divididas, configurando-as na mesma massa coesa, de algum modo cedem. Em vez de se manterem juntas num conjunto que, meses mais tarde, vai formar um ser humano e, por fim, um indivíduo, essas células se apartam, dando origem a duas entidades independentes, cada uma com suas próprias células em frenética divisão. Embora se separem, elas são uma coisa só: cada núcleo de cada célula encerra o mesmo DNA. Gêmeos idênticos começam a vida assim, como acidentes fortuitos, resultado extraordinário de uma falha sistêmica.
A formação de gêmeos fraternos é mais prosaica. Dois espermatozoides distintos encontram dois óvulos diferentes e dão origem a dois bebês. Gêmeos fraternos não são mais parecidos que dois irmãos quaisquer. Singular neles é apenas a simultaneidade: eles são concebidos e nascem aproximadamente ao mesmo tempo.
Cada um dos quatro rapazes de Bogotá havia sido criado como um gêmeo fraterno, com uma identidade própria. Agora, porém, cada um deles se dava conta de que tinha um gêmeo idêntico, de que era parte de um par perfeito. Antes ainda de os quatro efetivamente se encontrarem, já nos preâmbulos cada um deles se alinhava, sem o saber, ao irmão com o qual dividira o útero. Carlos e Wilber foram cautelosos, presumindo que não convinha a ninguém levar adiante aquela história – vai saber que problemas aquilo acarretaria? William e Jorge, contudo, revelaram-se abertos à possibilidade de uma aproximação. Poucas horas depois de tomar conhecimento da história, Janeth já havia armado para que os dois últimos se vissem numa praça pública às nove daquela mesma noite, assim que o açougue fechasse.
De início avesso à ideia de encontrar os outros irmãos, Wilber foi ficando cada vez mais curioso à medida que olhava as fotos. Quis ir também. Por volta das três da tarde, William falou com Jorge pela primeira vez e perguntou se, além de Brian e Janeth, Wilber também podia ir. Ficou aliviado quando o outro concordou. Ambos notaram que suas vozes não eram parecidas. William tinha uma voz mais rouca e, claro, o sotaque de Santander. Além disso, empregara o tratamento de “senhor”, uma formalidade típica do pessoal do interior. Jorge gostou da voz do rapaz, que parecia não apenas simpático, mas um bom sujeito.
Conforme o momento se aproximava, William foi se fechando, taciturno – estava nervoso. Saiu do trabalho e foi cortar o cabelo. Vestiu seu melhor suéter, preto com listras cinza. E levou consigo sua arma, hábito que adquirira desde os tempos do serviço militar. Andava de um lado para o outro.
Em outro ponto da cidade, Jorge também estava nervoso. Pedira ao irmão que fosse com ele, mas Carlos tinha um compromisso que não estava disposto a cancelar. Assim, quando Jorge topou com um amigo da faculdade, pediu que o acompanhasse, para dar apoio moral.
Na hora marcada, Jorge estava postado na praça, olhando ao redor. As palmas de suas mãos estavam úmidas, ele mal conseguia respirar. Em poucos minutos, um grupo veio caminhando em sua direção. Lá estava William – era a cara de Jorge, tinha o mesmo andar, o mesmo ritmo e os pés engraçados, numa pisada em dez para as duas.

Brian filmou aquele momento em seu celular. Com o som desligado, emudecidas as palavras nervosas, o vídeo mostra Jorge e William numa espécie de pantomima coreografada e ritualizada. William olha fixo para Jorge, enquanto Jorge desvia o olhar para o lado; a seguir, é William quem volta a cabeça para o outro lado, como se, intuitivamente, desse a Jorge a oportunidade de fitar seu rosto, o que ele, de fato, faz. Os dois se encaram – os olhares se encontram por um breve momento de intimidade surpreendente, eles trocam sorrisos; depois tornam a desviar os olhos. Em rápidas olhadelas, parecem amantes prestes a confessar a paixão recíproca. Jorge se recompõe e dirige, enfim, um olhar de avaliação a William; como masca chiclete, seu queixo trabalha um bocado. Depois, leva a mão ao rosto, apertando a própria carne. Sim, este sou eu; e aquela pessoa ali é ele. William permanece em silêncio, apoiando-se ora numa perna, ora na outra, o que dá a impressão de que está balançando. (“Foi como olhar num espelho e ver, do outro lado, um universo paralelo”, Jorge diria mais tarde.)
Para Jorge era mais fácil encarar Wilber, o sósia de Carlos – ele o olha e balança a cabeça. Wilber havia visto as fotos de Carlos, que usava óculos. “Só me faltam os óculos!”, disse, com um risinho agudo que fez Jorge sentir outra vez a pressão no peito: era a risada de Carlos.
Depois de ter constatado a semelhança de William e Jorge, Wilber agora ansiava por conhecer Carlos. Jorge telefonou para o irmão, avisando que estavam indo para lá, e o grupo se amontoou em dois táxis rumo ao apartamento de Jorge e Carlos.
Por volta das dez da noite, Carlos ouviu o toque da campainha. Caminhou até a porta e ali ficou, paralisado: não conseguia abri-la. Sabia que era Jorge com aqueles rapazes das fotos. Aquelas pessoas não eram apenas estranhas, eram mais que isso: eram personagens de uma história de sua vida sobre a qual ele tinha pouco controle.
“Abre a porta!”, Jorge ordenou. Carlos ouviu uma risadinha. Era a sua própria, mas não provinha dele – ou talvez sim. “Não quero”, Carlos respondeu. “Estou apavorado.” Segundos se passaram, Carlos ria nervosamente de um lado, Wilber do outro. “Carlos, abre a porta!”, Jorge repetiu. Não se pode tapar o sol com a peneira, a mãe deles costumava dizer.
Carlos abriu a porta e o grupo entrou. Vinham em fila, como uma procissão num sonho. Ali estavam Jorge com seu duplo – um Jorge com um suéter estranho, idêntico a seu irmão, mas mais tímido, sem aquela confiança toda. Ali estava uma mulher também, e um outro sujeito. E ali estava ele: Carlos agora fitava a si mesmo, uma visão modificada de si próprio, uma fotocópia engraçada, uma piada, um pesadelo.
Olhava para Wilber, sua imagem refletida. Os dois se espiaram de relance, soltaram um “ai!” e viraram de costas, tampando os olhos e corando. Wilber começou a falar, mas Carlos estava tendo dificuldade para entender o que ele dizia. Em lugar do “r” vibrante, Wilber pronunciava um “d”. O defeito da fala! Carlos também o apresentara, quando criança, mas superara com sessões de fonoaudiologia.
Os quatro começaram a trocar figurinhas, interrogando-se para descobrir as características compartilhadas pelos gêmeos idênticos. Quem eram os birrentos da família? Carlos e Wilber! E os mais dóceis? Jorge e William! Quem eram os mais ordeiros? Carlos e Wilber! E os que corriam atrás das meninas? Carlos e Wilber! E os mais fortes? Jorge e William!
Ainda assim, enquanto Jorge só via semelhanças a cada vez que olhava para William, Carlos procurava as diferenças entre ele e seu duplo de Santander. “Veja nossas mãos”, ele disse. “Não são iguais.” As de Wilber eram maiores, mais grossas, cheias de cicatrizes da lida com as facas do açougue e com os facões que, quando mais jovem, empunhara no campo. Carlos, por outro lado, ia à manicure – suas unhas, como não é incomum entre os colombianos, estavam recobertas de base incolor.
William perguntou a Jorge sobre sua mãe biológica. Como ela era? Onde estava? Observando cuidadosamente o rosto de William, Jorge contou-lhe que a mãe deles havia morrido de câncer quatro anos antes. Mostrou-lhe uma foto dela ainda jovem: cabelos compridos presos na nuca, belos olhos num rosto de expressão doce e séria. Ao olhar para a foto, William sentiu uma nova onda de pesar e não disse mais nada por vários minutos.
Durante a maior parte da noite, o clima do encontro foi de arrebatamento. Os rapazes se divertiam com as semelhanças, mais fáceis de identificar que as diferenças. Mas um profundo sentimento de perda pairava sobre cada um deles: o tempo perdido com pais e irmãos biológicos, as oportunidades perdidas, os anos perdidos, os perdidos mitos da criação.
Jorge parecia determinado a manter afastados aqueles sentimentos, pelo menos por ora. “Tudo que aconteceu”, disse ao grupo, “é que nossas famílias aumentaram.” Alguém perguntou: “Time de futebol?” E os quatro gritaram em uníssono o nome de um time popular na Colômbia: “Atlético Nacional!”
Por volta da meia-noite, as visitas se foram, prometendo que logo se reencontrariam. Jorge e Carlos se entreolharam na sala vazia. Tudo continuava igual, tudo havia mudado. “E aí, o que a gente faz agora?”, Carlos perguntou. Jorge percebeu que ele começara a chorar. Carlos, então, caminhou até Jorge e o envolveu num abraço apertado. “Eu quero ser seu irmão”, disse.

Gêmeos idênticos não fazem muito sentido, do ponto de vista evolutivo. Já os fraternos têm o benefício da diversidade genética, o que aumenta as chances de pelo menos um sobreviver a um eventual infortúnio. Ainda assim, a despeito desse seu caráter inexplicável, os gêmeos idênticos nos ajudam a elucidar o entendimento mais básico de como e por que nos tornamos o que somos. Mediante o estudo da sobreposição de características em gêmeos fraternos (que, em média, compartilham 50% de seus genes) e em gêmeos idênticos (que compartilham 100% de seus genes), cientistas vêm tentando, há mais de um século, descobrir quanto da variação que encontramos no interior de uma população pode ser atribuído à hereditariedade e quanto ao ambiente. “Gêmeos merecem atenção especial”, escreveu sir Francis Galton, cientista britânico que, no final do século XIX, foi o primeiro a comparar gêmeos muito parecidos com gêmeos não tão parecidos (embora a ciência da época ainda não diferenciasse os gêmeos idênticos dos fraternos). “Isso porque sua história nos proporciona meios de distinguir os efeitos das tendências herdadas de nascença daqueles impostos pelas circunstâncias específicas de sua vida posterior.”
Galton, que era primo de Darwin, é conhecido tanto por ter cunhado o termo “eugenia” quanto por sua análise inovadora dos gêmeos (tendo concluído, em parte como consequência de sua pesquisa, que pessoas saudáveis e inteligentes deveriam receber incentivos para procriar mais). Seu sucessor no plano científico, o dermatologista alemão Hermann Werner Siemens, realizou no início da década de 20 os primeiros estudos com gêmeos, não muito díspares daqueles que vêm sendo efetuados. Siemens, contudo, tirou conclusões que contaminaram por muitas décadas a área de pesquisa que ele capitaneou, apoiando os argumentos de Hitler em favor da “higiene racial”. Ao procurar as origens genéticas de vários traços considerados desejáveis ou indesejáveis, pesquisadores como ele pareciam se aproximar perigosamente da busca por uma raça superior.
Mas, apesar de períodos de muita controvérsia, o estudo dos gêmeos proliferou. Ao longo dos últimos cinquenta anos, cerca de 17 mil traços foram investigados, de acordo com uma meta-análise conduzida pela pesquisadora holandesa Tinca Polderman e pelo australiano Beben Benyamin, publicada este ano na Nature Genetics. Cientistas afirmam ter identificado influência genética em características tão variadas como a posse de armas, a preferência eleitoral, a homossexualidade, a satisfação no trabalho, o consumo de café, a obediência às regras e a insônia. Em virtualmente todos os estudos, os pesquisadores observaram que os resultados dos testes aplicados em gêmeos idênticos são mais semelhantes do que aqueles aplicados em gêmeos fraternos.
As pesquisas apontam a influência dos genes em quase todos os aspectos de nosso ser – uma conclusão tão abrangente que alguns cientistas concluíram que certamente haveria algum erro fatal na metodologia empregada. “Tudo pode ser herdado”, afirma Eric Turkheimer, geneticista comportamental da Universidade de Virgínia. “Quanto mais geneticamente aparentadas forem duas pessoas, tanto mais semelhantes elas serão em qualquer aspecto que se queira examinar” – personalidade, preferência por programas de tevê ou tendência política. “Mas isso pode ser verdade mesmo sem que haja por trás desse fenômeno algum tipo específico de mecanismo, alguma versão de um gene como o da doença de Huntington. É algo que resulta dos complexos efeitos combinados de um número incontável de genes.”
Pode-se dizer, talvez, que o ramo mais surpreendente da pesquisa acerca dos gêmeos envolva uma classe pequena e incomum de sujeitos: a dos gêmeos idênticos criados separadamente. Thomas Bouchard Jr., um psicólogo da Universidade de Minnesota, começou a estudá-los em 1979, quando ficou sabendo de Jim e Jim, gêmeos de Ohio que haviam sido reunidos naquela época, aos 39 anos de idade. Eles não só eram muito parecidos, como também passavam férias na mesma praia de Miami, casaram-se com mulheres com o mesmo nome, divorciaram-se, tornaram a se casar com mulheres com o mesmo nome, fumavam a mesma marca de cigarros e tinham por hobby construir móveis em miniatura. Parecidos tanto em personalidade como no tom de voz, era como se tivessem sido formados por inteiro na concepção, impermeáveis aos efeitos exercidos por pais, irmãos ou geografia.
Bouchard foi adiante e pesquisou mais de oitenta pares de gêmeos idênticos criados separadamente, comparando-os a gêmeos idênticos criados juntos e também a gêmeos fraternos criados juntos e em separado. Descobriu que, praticamente em todos os casos, os gêmeos idênticos, criados juntos ou não, eram mais parecidos que os fraternos, tanto em personalidade como – resultado ainda mais controvertido – em inteligência. Uma descoberta inesperada em sua pesquisa sugeria que o efeito do ambiente compartilhado por um par de gêmeos – o efeito exercido pelos pais, por exemplo – pouca influência tinha na personalidade. Influência maior exerciam os genes e as experiências únicas, como um semestre passado no exterior ou um amigo importante.

Do ponto de vista científico, o estudo dos gêmeos que não foram criados juntos tem causado problemas aos pesquisadores. Esses gêmeos se apresentam voluntariamente para participar das pesquisas ou tornam-se conhecidos dos estudiosos por intermédio da mídia, mais inclinada a cobrir histórias de gêmeos idênticos incrivelmente parecidos, que se casaram com mulheres de mesmo nome e depois se divorciaram, ou que escolheram como hobby uma mesma atividade incomum. Para começar, é claro, gêmeos idênticos não tão parecidos têm menos chances de serem identificados e reunidos. E poucos estudos com gêmeos, criados juntos ou não, reuniram irmãos de procedências fundamentalmente diversas.
“Todo estudo vai ter seus críticos”, afirma Nancy Segal, titular da Universidade do Estado da Califórnia em Fullerton, que trabalhou com Bouchard de 1982 a 1991. “Mas estudar gêmeos criados separadamente distingue melhor os efeitos da genética e do ambiente sobre o comportamento.”
Segal vem estudando gêmeos chineses desde 2003 (fraternos e idênticos, criados juntos ou não). Em seus livros, a pesquisadora mistura ciência com histórias de interesse humano, comprovações estatísticas com detalhes anedóticos: as gêmeas idênticas criadas uma longe da outra que usavam, cada uma delas, sete anéis; ou as irmãs criadas em separado que coçavam o nariz exatamente da mesma maneira e davam o mesmo nome àquele cacoete.

Em outubro passado, Yesika Montoya, uma psicóloga colombiana que hoje trabalha como assistente social na Universidade Columbia, viu no Facebook um vídeo de um programa da televisão colombiana (Séptimo Día) que confirmava, mediante testes de DNA, que os quatro rapazes de Bogotá compunham dois pares de gêmeos idênticos. Montoya entrou em contato com Segal, a quem só conhecia de nome e reputação. Depois, abordou os rapazes, que concordaram em ser objeto de uma pesquisa.
Não importa o fascínio que exerçam, os dois pares de gêmeos representam uma amostra de não mais que dois. Para Segal, porém, as possibilidades eram fantásticas, únicas. Ela não tinha notícia de que houvesse nenhuma outra família com tantas possibilidades de combinar pares de gêmeos para análise e comparação: Jorge e Carlos, Jorge e William, Jorge e Wilber, e assim por diante. “É um experimento dentro de um experimento”, disse, comparando-o a matrioskas russas: você abre uma, tem outra dentro, e outra, e outra.
Os gêmeos sabiam que o estudo exigiria que eles se submetessem, ao longo de toda uma semana de março, a entrevistas diversas, individuais e em dupla, assim como a horas enfurnados numa sala, respondendo a questionários. Haveria perguntas sobre seus lares, suas vidas, sua educação, bem como testes de personalidade e de inteligência. Segal contou-lhes que estava interessada em escrever um livro sobre eles (mais tarde, Montoya colaboraria nesse projeto), e os rapazes se mostraram entusiasmados.
William impôs uma única condição para participar: insistiu que as pesquisadoras visitassem a casa onde ele havia crescido, em Santander. Sem isso, jamais entenderiam de fato quem ele era. Preocupou-o, no entanto, um problema: se lhes dissesse quanto tempo levariam para chegar lá, elas desistiriam de ir. Assim, enrolava e desconversava toda vez que surgia o assunto “tempo de viagem”. Quatro ou cinco horas, William dizia, acrescentando então, como quem não quer nada, que, se a estrada os impedisse de chegar a seu destino, eles deveriam caminhar. Por quanto tempo? Por um tempinho, respondia – talvez precisassem enfrentar um pouco de lama também. Quanta lama? Bom, podia ser que fosse mais fácil, a partir de certo ponto, seguir viagem a cavalo. E perguntava a Segal se, por acaso, ela preferia fazer aquele trecho a cavalo. Segal, uma mulher de 60 e poucos anos que crescera no Bronx, em Nova York, a princípio declinou.

No dia 29 de março, às nove e meia da manhã, três carros entraram em La Paz, uma cidadezinha empoeirada cujas poucas vielas ofereciam vistas espetaculares dos Andes. O grupo – formado por Segal, Montoya, os dois pares de gêmeos, intérpretes, amigos diversos e alguns familiares – játinha passado por seis horas de estrada. Pararam num bar para um café da manhã tradicional, composto de caldo de costela e chocolate quente. Jorge e William sentaram-se lado a lado à mesa; Carlos se posicionou defronte deles, e Wilber se acomodou com as pesquisadoras. Enquanto todos comiam, Carlos apanhou seu celular para exibir uma foto dele e de Jorge. “Eu amo meu irmão, embora só demonstre isso quando estou bêbado”, disse. “Estão vendo?” Na foto, Carlos dava um beijo no rosto de Jorge, com os lábios formando biquinho.
Aborrecido, William observava Carlos. Wilber, ele notou muitas vezes, era igual: sabia que podia contar com o irmão e só demonstrava afeto em raras ocasiões – quando, por exemplo, achava que um dos dois podia morrer. No Exército, ambos haviam servido no mesmo batalhão, e quando deviam entrar em alguma zona especialmente perigosa, Wilber, pálido, dizia a William: “Que Deus te proteja, meu irmão. Eu te amo.”
William sabia que Wilber o amava. Mas, tanto Jorge como William gostariam que os irmãos com os quais haviam crescido – Carlos e Wilber – lhes tivessem dado mais apoio, que tivessem demonstrado mais sensibilidade, como acontecia agora entre William e Jorge, que com frequência se telefonavam antes de dormir, só para dar boa-noite.
A essa altura, os quatro rapazes se conheciam bem. Ao longo dos seis meses anteriores, haviam saído juntos, compartilhado refeições, conversado sobre mulheres, família, dinheiro, valores. Mesmo semanas depois de se conhecerem, ainda olhavam nervosos e espantados nos olhos do irmão idêntico. Haviam se medido, avaliado e inspecionado. De costas um para o outro, compararam suas alturas – os que haviam sido criados na cidade eram mais altos que os do campo. Carlos derrotara Wilber numa competição para ver quem comia mais. William ganhara de todos eles no braço de ferro. Nas arquibancadas de um jogo de futebol, Carlos, fascinado, vira William enfiar a mão na calça jeans para coçar o traseiro: Jorge fazia o mesmo. Certa noite, à mesa do jantar, Jorge notou que Carlos e Wilber se debruçavam no mesmo ângulo estranho sobre seus pratos. Jorge sentia-se à vontade para corrigir gentilmente a gramática de seu gêmeo idêntico; Carlos levava a sério responsabilidades como ensinar Wilber a abordar uma mulher atraente num bar de Bogotá, ou como beber de um só trago uma dose de tequila. Os gêmeos de Santander ficaram espantados com o fato de os irmãos da cidade jamais terem disparado uma arma de fogo, falha que se apressaram em corrigir num passeio pelo campo.
De fato, Carlos logo se sentiu à vontade com seu irmão gêmeo recém-descoberto – isso ele tinha de admitir. Wilber, ao contrário de Jorge, não lhe dizia o que fazer quando ele lhe falava sobre sua vida amorosa: apenas ouvia e dava apoio. Sim, entendiam um ao outro – o orgulho masculino quando estavam com mulheres, a reação furiosa às provocações incessantes dos respectivos irmãos. Mas era também enervante para Carlos o que Wilber tinha dele. A própria existência do irmão gêmeo punha em questão um conceito que lhe era caro: o senso de sua singularidade.

Tendo desenvolvido características tão diferentes do resto da família, Carlos sentia orgulho de seu individualismo. Agora, porém, como gêmeo idêntico, integrava um raro subconjunto de seres humanos cuja replicabilidade estava embaraçosamente à mostra. Certa ocasião, Wilber postou no Facebook uma antiga foto dele em Santander, de peito nu à beira de um rio, segurando triunfante duas galinhas que havia acabado de matar. Carlos, ao deparar com aquele jeca com os cabelos molhados e penteados para trás como os dele, sentiu-se incomodado. “Tire esse troço daí”, ele disse a Wilber. “As pessoas vão pensar que sou eu.”
Longe de acreditar que havia encontrado sua metade perfeita, Carlos sentia-se mais sozinho que nunca. Por mais que Jorge negasse, sua aproximação de William era evidente. Agora os dois usavam o mesmo modelo de tênis e aparavam o cavanhaque de forma idêntica. Nos fins de semana, Jorge ia com frequência ao açougue de William e se punha atrás do balcão, esperando pela clientela, só para passar mais tempo com seu gêmeo. Por vezes dormia no apartamento minúsculo de Wilber e William, enquanto Carlos ficava sozinho em casa. Às vezes Carlos se consolava com um argumento estranho e perverso: ainda bem que a mãe não estava mais ali para presenciar os acontecimentos, pois ele não teria sido capaz de suportar o ciúme que teria sentido, caso ela acolhesse William do jeito como Jorge fizera.
Carlos sabia que Jorge estava ciente daquela tristeza e que até procurava ajudar. Mas, sempre que tentavam conversar sobre o assunto, recaíam no velho cacoete de irritar um ao outro. Para Carlos, era como se Jorge ignorasse suas preocupações; Jorge, por sua vez, sentia-se frustrado, porque nada do que dizia era capaz de mitigar a sensação de isolamento do irmão. Mas Jorge insistia. Cerca de seis semanas após o primeiro encontro com William e Wilber, ele pediu uma foto a Carlos. Naquele sábado, foi a um tatuador. Já trazia no peito uma tatuagem da mãe, do lado do coração. Agora, submetia-se a quatro horas de dor para ter o rosto do irmão desenhado em seu corpo, a centímetros da imagem da mãe. Ao voltar para casa, levantou a camisa e mostrou a Carlos seu retrato, sobre a pele ainda ensanguentada e inchada por causa da violência da agulha. Carlos diria mais tarde, com lágrimas nos olhos, que fora o maior presente que havia recebido na vida. Aquilo lhe devolveu algum conforto.
Contudo, no café da manhã em La Paz, Carlos sentiu-se mais uma vez provocado. Logo depois de exibir a foto em que aparecia bêbado, ensaiando um beijo em Jorge, este começou a falar de um assunto delicado, uma questão que os dois já haviam discutido em muitas conversas noturnas: o que seria de Carlos hoje, caso tivesse sido criado em Santander? “Olhe em volta”, disse Jorge. “Você acha mesmo que, se tivesse sido criado aqui, teria se tornado contador ou mesmo um profissional qualquer?”
Carlos não dava o braço a torcer. Quem poderia garantir que ele não teria dado um jeito de frequentar a escola, de se formar e de conseguir um emprego na mesma empresa que, ainda recentemente, o promovera?

William não disse nada, mas seu semblante se endureceu. Carlos não tinha ideia de até onde a força de vontade podia levar uma pessoa. Ele, William, era dotado daquela mesma força de vontade e procurara exercê-la de todas as maneiras possíveis em sua busca pela formação como suboficial. Em primeiro lugar, mudara-se para Bogotá, para tirar o diploma do ensino médio. Passou no exame, mas com uma nota baixa – oito meses se matando de estudar em meio período não foram o bastante para compensar todos os anos fora da escola. Embora só tenha se classificado para a lista de espera do curso de suboficiais, não esmoreceu. Fez as malas e viajou até o quartel que oferecia o curso. Ao chegar, um comandante o reconheceu. “Com paciência e perseverança, tudo se alcança”, disse-lhe o oficial.
O comandante mexeu os pauzinhos para ajudar William, mas, ao tratarem da papelada, descobriram que William já tinha dado baixa e fora indenizado por uma enfermidade contraída à época em que servira. A indenização não permitia que ele se realistasse. Era o fim, não havia mais o que fazer. Ele jamais poderia ser um suboficial, teria de bater em retirada. Mas o comandante não lhe dissera que quem perseverava conseguia? William ainda permaneceu cinco dias por ali, se escondendo e se misturando entre os soldados. Esperava que, de alguma maneira, as coisas pudessem se resolver. Mais do que isso, não conseguia ir embora: partir significava desistir. No sexto dia, um oficial simpático, mas armado da cabeça aos pés, o acompanhou até a rodoviária e o embarcou pessoalmente no ônibus para Bogotá.
William sabia que Carlos não conhecia aquela parte de sua história – ele certamente ignorava que, aos 6 anos de idade, William costumava caminhar cinco horas com a mãe até aquela cidade, La Paz, só para comprar mantimentos. Dormiam na casa de uma mulher, e depois retomavam a estrada, carregando os mantimentos nas costas. E Carlos não tinha como saber, nem jamais saberia, quantas horas William, na adolescência, passara cortando cana, a pele ardendo do sol, os talos de cana-de-açúcar pinicando no corpo. Depois, carregava 25 quilos de cana por vez, um trabalho bruto, doloroso, árduo. Carlos vivera aqueles mesmos anos, William sabia, flertando com garotas numa excelente escola pública, jogando basquete e acumulando pontos em algum tipo de videogame que ele não conhecia nem de nome.
Carlos estava errado, William tinha certeza. Às vezes, força de vontade não basta. Se tivesse crescido em Santander, hoje não seria um contador em ascensão. E a insistência de Carlos em afirmar o contrário soava como um insulto a tudo que William tivera de suportar – àquela vida que ele, a bem da verdade, suportara no lugar de Carlos.

Depois do café da manhã, os carros enveredaram por estradas serpenteantes de terra e pedra, cobertas pela exuberante folhagem das palmeiras e samambaias. Por volta de onze e meia da manhã, a caravana se deteve perto de um grande mirante no meio de um relvado. Todos desembarcaram. Era chegado o momento de caminhar.
Nancy Segal empurrava uma mala de rodinhas de um roxo brilhante, com o material que ela esperava usar em suas entrevistas e na pesquisa junto à família de William e Wilber. Ancelmo, o irmão deles, era o atual morador da antiga casa, mas os pais e outros parentes também estariam lá para celebrar o aniversário de Ancelmo e rever os gêmeos. Logo ficou evidente que aquela trilha não era adequada a uma mala de rodinhas. William, que no passado a percorrera carregando fardos bem mais pesados, apanhou a bagagem e a apoiou nos ombros.
O grupo seguia seu caminho, que logo subia por uma colina. William se movia com rapidez, a despeito da mala. Disse que era forte, e que Jorge também o era em igual medida, embora aquilo não pudesse ser verdade. “Mas Carlos, não”, acrescentou. “Carlos não é tão forte.” Em seguida, avançou ainda mais alguns passos, e então se voltou para trás, como se tivesse tido uma ideia. “Carlos, por que você não leva a mala?”, perguntou. Foi até ele, entregou-lhe a mala e rapidamente tomou a dianteira.
O caminho atravessava uma pradaria e, depois, descambava por uma descida íngreme e longa. Em minutos, a trilha era puro barro – uma lama espessa e, em alguns trechos, com 60 centímetros de profundidade. Carlos, sempre impecavelmente vestido, pisava com cautela. Mas seu tênis Adidas logo se encharcou no lodo.
Carlos se sentia pouco à vontade tanto emocional como fisicamente. Desde que conhecera os gêmeos, ele havia estado duas vezes em Santander. Na primeira, para uma festa de aniversário em La Paz, comemorando o nascimento dos quatro irmãos; na segunda, em visita a seus pais biológicos, José del Carmen Cañas (conhecido como Carmelo) e Ana Delina Velasco, na casa onde agora moravam. Mas sentira-se desconfortável em ambas as visitas. Sabia que William achara grosseiro seu comportamento, imune aos gestos simpáticos da família e dos amigos. Era, porém, gente demais – habitantes locais, primos, cada um querendo tirar uma foto, dar um abraço ou estabelecer algum tipo de conexão que ele próprio não sentia existir. Como poderia se familiarizar com seus pais biológicos, se havia sempre uma multidão em torno deles? Já ao ser apresentado a Carmelo e Ana, no apartamento de William e Wilber, uma equipe de cinegrafistas estivera filmando o encontro para um programa de tevê. Quando abraçou os pais, eles choravam profusamente. Comovera-se ao sentir o abraço de Carmelo – jamais havia conhecido seu próprio pai, que morrera não muito tempo depois da mãe. Mas alguma coisa nas lágrimas de Ana o fizeram se sentir distante, calmo. Ele havia tido uma mãe, e uma mãe muito boa. “Não chore”, disse a Ana, enxugando as lágrimas dela. “Deus quis assim.”
O sol estava a pino. Carlos avançava pela lama, que espirrava e logo aderiu a suas canelas. Foi então que ele – logo ele, Carlos, tão vaidoso com suas roupas, meticuloso com o modo como lhe caíam, sempre escovando com a mão as bainhas das calças para livrá-las de algum fio imaginário – soltou um gemido. Seu pé havia afundado de vez. Devagar, auxiliado por alguém que caminhava a seu lado, começou a libertá-lo. Ouviu-se um ruído forte de sucção. O barro encobria-lhe a perna nua até bem acima do joelho.
Mais de uma hora depois, suado, exausto, imundo, ele chegou, enfim, onde William e Wilber haviam passado a infância. A casa não tinha banheiro, nem revestimento ou pintura, apenas paredes de madeira e um fogão a lenha com uma chaminé que saía pelo telhado. Sorrindo, Carlos aproximou-se de Carmelo e os dois se abraçaram calorosamente. Depois, ficaram em silêncio; nenhum deles sabia o que dizer. Bem ao lado deles, William os observava. Tinha um aspecto imaculado, não fosse a lama nas botas. Vestia uma camisa roxa listrada, de abotoar, especial para a ocasião. Carlos usava um boné preto de beisebol que exibia o símbolo do Batman, além de uma camiseta regata e óculos de sol. Mal havia recuperado o fôlego quando sentiu que lhe davam uma batidinha na cabeça: “Tire o boné e os óculos escuros”, disse William. “Tente estar aqui de verdade.”
Carlos observava Jorge, que se movia com desembaraço no meio daquela multidão, ganhando a simpatia da família de uma maneira que ele, Carlos, não era capaz de fazer. Sentia-se incomodado com a conversa que haviam tido durante o café da manhã. Jorge parecia querer lhe arrancar alguma declaração grandiosa e emocionada sobre a sorte que lhe coubera na troca dos gêmeos, sobre o destino bem mais duro que teria sido obrigado a enfrentar. Não que Carlos não tivesse refletido muito, durante várias noites insones, sobre qual seria seu futuro, caso tivesse sido criado com sua família biológica. Dois dos irmãos de William e Wilber haviam morrido bem jovens: um deles, num acidente com arma de fogo; o outro, numa emboscada durante o serviço militar. Talvez ele nem tivesse sobrevivido, se houvesse crescido ali. Talvez fosse fácil ser um bom rapaz em Bogotá. Vivendo em Santander, talvez tivesse se reunido à guerrilha, que uma década antes havia sido muito popular, mas brutal. Na verdade, Carlos estava longe de acreditar na inevitabilidade de seu sucesso profissional – o que o preocupava era se, tendo experimentado aquela outra vida, seu caráter teria resistido às forças circunstantes.
Mas não, não ia dizer tudo aquilo num café da manhã, na frente de um monte de gente. Ele não era desse feitio.

No momento em que um espermatozoide penetra num óvulo, o zigoto unicelular resultante é conhecido como totipotente: é pura potencialidade. Ele traz em si a curva de uma sobrancelha, o músculo de um coração, o poder eletroquímico de um neurônio; encerra o complexo manual de instruções que vai comandar a construção e a regulação de cada fibra do corpo. Mas essa célula única divide-se em duas e, instantaneamente, as luzes começam a se apagar, sua potencialidade diminui. Para que essa célula única se transforme num minúsculo fragmento de tecido do coração, e não num pelo de sobrancelha, é necessário que um ou mais de seus sinalizadores genéticos sejam desativados. O resultado disso é a diferenciação, um processo constante de eliminação que possibilita construir universos biológicos complexos. Toda vez que um grupo de células se divide, cada uma delas fica mais apta a se tornar uma coisa e não outra.
Quando o embrião atinge cinco ou seis dias de vida – momento em que ocorre a maioria das fatídicas divisões de gêmeos –, algumas daquelas células vão fortuitamente para um ou outro gêmeo. Isso significa que a expressão de alguns genes em um dos futuros gêmeos será, provavelmente e por caminhos sutis, diferente da expressão dos genes no outro gêmeo. É a conjectura de Harvey Kliman, diretor de Pesquisas Reprodutivas e Placentárias da Escola de Medicina de Yale. A partir do momento em que a maioria dos gêmeos idênticos se separa, é bem possível que eles passem a ter uma epigenética diferente (o termo se refere ao modo como os genes são lidos e expressos, dependendo do ambiente). Eles já são produtos distintos de seu ambiente, isto é, das condições uterinas que, de saída, fizeram deles seres diferentes.
A semelhança entre gêmeos idênticos encanta o observador leigo, mas alguns geneticistas estão mais interessados em identificar tudo aquilo que os faz diferentes, e por vezes significativamente diferentes. Por que um gêmeo pode ser homossexual ou transgênero, ao passo que seu gêmeo idêntico não? Por que gêmeos idênticos, de mesmo DNA, às vezes morrem de enfermidades diferentes, em momentos distintos? O ambiente em que vivem há de diferir, mas que aspecto desse ambiente levou sua biologia a tomar direções diversas? Fumo, estresse e obesidade são alguns dos fatores que os pesquisadores já conseguiram associar a mudanças específicas na expressão de genes específicos. Com o tempo, esperam descobrir centenas de outros, talvez milhares.
A meta-análise publicada este ano na Nature Genetics, resultado de cinquenta anos de estudos dos gêmeos, chegou a uma conclusão sobre o impacto da hereditariedade e do ambiente nas vidas dos seres humanos. Os pesquisadores descobriram que, em média, cada traço ou enfermidade particular de um indivíduo deriva 50% do ambiente, 50% dos genes, aproximadamente. Mas essa proporção simples não dá conta de nossos complicados sistemas de circuitos genéticos, o modo como nossos genes interagem continuamente com o ambiente, sendo ativados e desativados de acordo com o estímulo e as consequências por vezes duradouras, que seguirão existindo em nosso genoma e serão transmitidos à próxima geração. O modo como os genes de um indivíduo respondem a esse ambiente – como se expressam – cria o que os cientistas chamam de perfil epigenético.

Antes de partir para Bogotá, a pesquisadora Segal entrou em contato com Jeffrey Craig, que estuda epigenética no Instituto Murdoch de Pesquisa Infantil, na Austrália, para perguntar se ele analisaria a epigenética de Carlos, Jorge, Wilber e William com base em amostras de saliva que ela colheria na Colômbia.
Craig já analisou os perfis epigenéticos de 34 gêmeos idênticos e fraternos no momento do nascimento, coletando amostras do interior das bochechas. Chamou-lhe a atenção que, em alguns casos – não muitos, mas em alguns –, o perfil epigenético de um gêmeo recém-nascido pode ser mais parecido com o de outro bebê qualquer do que com o do gêmeo idêntico com o qual o recém-nascido compartilhou o útero materno. Diferenças estruturais no útero seriam uma explicação, afirma Craig – um cordão umbilical mais grosso para um (são, de fato, dois os cordões) ou um ponto de conexão estranho do cordão à placenta. Mas Craigreconhece que poderia haver outros fatores – quais, ainda é matéria para especulação. Talvez um maior distanciamento de um dos gêmeos do som constante e reconfortante do coração da mãe poderia determinar uma trajetória de vida ligeiramente diferente.
Segal e Craig ansiavam por conhecer os resultados dos perfis epigenéticos dos gêmeos colombianos. Quais perfis, perguntavam-se, seriam mais parecidos? Os dos gêmeos não parentes que compartilharam de um mesmo ambiente – Segal os chama de gêmeos virtuais – ou os dos de mesmo DNA?
Uma amostra composta de quatro indivíduos só pode levantar mais questões, em vez de responder às já existentes. Mas exames epigenéticos em amostras mais numerosas de gêmeos criados separadamente podem, um dia, significar uma ajuda valiosa à ciência epigenética, afirma Kelly Klump, codiretora do Registro de Gêmeos da Universidade Estadual de Michigan. “Não se pode observar como o ambiente muda a função do genoma sem dispor de um genoma constante”, diz ela. “Gêmeos idênticos nos oferecem essa oportunidade.”
Como é muito difícil encontrar gêmeos idênticos que tenham sido criados separadamente, os pesquisadores que trabalham com epigenética têm se concentrado sobretudo nos gêmeos idênticos que exibem diferenças. Tim Spector, por exemplo, titular de epidemiologia genética do King’s College de Londres, está gerando um gigantesco cadastro global de gêmeos idênticos; dele constam casos em que apenas um dos gêmeos manifesta, por exemplo, diabetes ou autismo.
Foi fundamental o papel de Thomas Bouchard para convencer pesquisadores, bem como o público em geral, de que parte significativa daquilo que somos sofre influência do DNA, fato que estava longe de ser reconhecido quando ele deu início a seu trabalho. Spector e Craig, por outro lado, estão tentando identificar de que maneira nós nos modificamos em resposta ao ambiente. Sua questão fundamental é outra: como pode a ciência identificar genes que foram ativados ou desativados com resultados potencialmente danosos, a fim de que se possa, então, reprogramá-los? Se os estudos tradicionais com gêmeos eram vistos como investigações interessadas no imutável, já os estudos epigenéticos procuram elucidar o que, em nós, está sujeito a mudança – e, mais especificamente, que mecanismos produzem essa mudança.

Um político local acompanhava o grupo em sua excursão a Santander. No percurso, tentou convencê-los a visitar uma atração turística das redondezas: o segundo maior hoyo (buraco) da Colômbia, uma fossa cavernosa de 150 metros de largura por 180 metros de profundidade. Os moradores da região gostam de deitar no chão e se arrastar devagarzinho até a borda, para, dali, encarar o abismo.
Aquele buraco transformou-se numa piada recorrente entre os irmãos, mas, para Yesika Montoya, a psicóloga colombiana, tornou-se também uma espécie de metáfora da experiência pela qual os rapazes passavam. Ela estava tentando fazer com que eles identificassem seus sentimentos em relação a tudo aquilo que tinham vivido, e parte desse esforço consistia em recordar as sensações físicas que haviam experimentado em diferentes momentos. “Senti vertigem”, disse-lhe Jorge ao descrever a espera por William no dia em que se conheceram. “Uma pressão. Como aquela que a gente sente numa montanha-russa, quando o carrinho despenca lá de cima.”
Montoya imaginou esse sentimento como semelhante à sensação de “cair por um buraco e não ser capaz de sentir o chão”. E acrescentou: “Nunca acaba. Mesmo quando você consegue apoiar um pé aqui ou ali, continua caindo.”
Era inevitável que o tempo passado com Segal e Montoya, compartilhando as histórias de suas vidas, modificasse o modo como os rapazes viam a experiência daquele encontro. Carlos pareceu surpreso quando, em certo momento, Segal lhe pediu para descrever em que aspectos ele e Wilber eram diferentes. “Bem, a gente sempre se concentra nas semelhanças”, ele disse. “Na verdade, nunca conversamos sobre as diferenças.” Ele parecia feliz por ter, enfim, a oportunidade de fazê-lo.
Carlos ressaltou que ele gostava de mulheres mais velhas, enquanto Wilber preferia as mais jovens. Mas a resposta, é claro, era bem mais complicada. Em traços gerais ou em essência, ele era parecido com Wilber; no entanto, diferia dele numa série de detalhes infinitamente pequenos: as expressões que passavam por seu rosto, e somente por seu rosto; os pensamentos e preocupações que lhe ocupavam a mente. Para o bem e para o mal, era mais cínico que Wilber, e menos estourado. Wilber, por sua vez, era mais alegre quando em companhia de crianças pequenas, tinha mais facilidade para gargalhar.
Jorge e William também exibem diferenças óbvias. Jorge é um sonhador, um viajante incansável, um otimista que acredita que “se a gente dá ao mundo o que tem de melhor, ele vai retribuir com o que tem de melhor”. O rosto de William, mais fino e mais magro, reflete uma postura bem mais precavida. “Nada é fácil nesta vida”, ele comentou certa vez, um sentimento que Jorge dificilmente expressaria.
Essas diferenças haviam sido aprendidas? Refletiam, algumas delas, epigenéticas diversas? Talvez Wilber e Jorge dispusessem de uma proteção biológica adicional pelo fato de, ao contrário de Carlos e William, terem sido criados por suas mães biológicas. Carlos sabia que havia sido amado pela mãe que o criara. Mas também sabia que uma prima havia se mudado para sua casa quando eles eram bebês, para que os dois gêmeos pudessem desfrutar do contato maternal que, por aquela época, o hospital tratava de estimular. A mãe carregava Jorge junto do corpo; era a prima quem embalava Carlos.

Em maio, Carlos disse a Wilber que queria ver sua família biológica, mas sem a multidão de parentes, psicólogos ou equipes de tevê. Wilberrepassou o recado a William. Para William,era mais fácil aceitar que as restrições de Carlos àquelas viagens se devessem não tanto a uma reação à nova família, mas ao caráter público das excursões. Num fim de semana de junho em que, infelizmente, Wilber precisava trabalhar, William, Jorge e Carlos pegaram um ônibus e foram fazer uma visita mais relaxada e particular a Carmelo e Ana.
No ônibus, sentado ao lado de William, Carlos o ouvia falar de seus planos de concorrer a um cargo de vereador em La Paz – ele era agora uma espécie de celebridade em Santander. Carlos não nutria grande consideração pelos políticos colombianos, mas a ambição de William o impressionou, e ele também aprovou o fato de o rapaz estar tendo aulas de Word. Pelas perguntas que Segal e Montoya haviam feito, descobrira que Wilber, seu gêmeo idêntico, não pretendia retomar os estudos, e isso o decepcionava – acalentava ter outro assunto com ele que não fosse mulheres. Tinha ambições quanto a Wilber – esperava mais dele, mas estava começando a achar que sua expectativa não seria correspondida.
Carlos sabia que Wilber queria passar mais tempo com ele, mas também sabia que, em algum nível, o irmão compreendia que ele era uma alma solitária. De todo modo, Wilber tinha uma vida própria e uma nova namorada, mãe de duas crianças cujas fotos ele vivia exibindo. Aquela experiência toda lhe era menos complicada do que para os outros três irmãos – e isso simplesmente porque, como o próprio Wilber dizia, ele não era uma pessoa muito complicada.
Para Carlos, a quarta visita a Santander era como um marco zero. Os irmãos chegaram de manhã cedo à casa de Ana e Carmelo, depois de viajar a noite inteira. Carlos, contudo, enlevado pela beleza da paisagem, não quis descansar. Foi se banhar num tanque de água. Ouvia o canto dos pássaros e se revelou um espectador atento do papagaio da família, Roberto, que tinha talento para cantar rancheras. Depois, enquanto os irmãos dormiam, foi até a cozinha. Lá estava Ana, uma mulherzinha minúscula – Carlos tinha aquele mesmo risinho dela, disseram-lhe, embora ele próprio jamais tenha admitido. Ela limpava uma cabeça de cordeiro que prepararia para o jantar. Ele se postou junto ao balcão da cozinha para lhe fazer companhia. Era a primeira vez que se viam a sós.
Conversaram sobre a saúde dela, as juntas doloridas, a dor nas costas. “Sabe, a senhora trabalhou tanto a vida toda”, disse a ela, “está na hora de descansar. Seus filhos já estão grandes. Por que trabalhar tanto assim por eles?” A relação com Ana estava agora mais relaxada, mas não necessariamente mais próxima. Carlos disse a si mesmo que aquilo viria com o tempo. Jorge sempre lhe dizia que havia alguma coisa errada com ele, por não sentir de imediato aquele vínculo poderoso, primordial, aquela força emocional da biologia e do destino que William, o gêmeo idêntico de Jorge, parecia sentir em relação à mãe que jamais conhecera. Carlos se perguntava se não teria se aproximado mais de Ana, caso sua própria mãe estivesse viva para lhe dar algum tipo de permissão. Mas talvez a coisa toda fosse bem mais simples. Talvez ele e William fossem simplesmente diferentes.

Antes de dar início a sua pesquisa, Segal não teria se surpreendido se cada um dos rapazes apresentasse resultados semelhantes aos de seu gêmeo idêntico, independentemente do ambiente. Os resultados preliminares, porém, mostram que, em certo número de características, os gêmeos idênticos são menos parecidos entre si do que ela havia imaginado. “Depois dessa pesquisa, adquiri grande respeito pelo efeito exercido por ambientes extremamente diferentes”, ela diz.
Talvez os resultados indiquem apenas que pessoas criadas em ambientes rurais, com pouca educação formal, encaram testes de uma maneira bem diferente do que aqueles que frequentaram o ensino superior. Por vezes, William parecia acachapado pelos testes – logo ele, um rapaz que administrava com competência o pequeno açougue. Mas Segal considerou a história dos rapazes um caso exemplar, capaz de promover novas pesquisas e inspirar outros pesquisadores a buscar mais exemplos de gêmeos criados separadamente e de formas bastante diversas, sejam elas quais forem.
No decorrer da semana que os rapazes passaram respondendo aos questionários de Segal, eles revisitaram o passado que os ajudou a fazer deles o que eram. Quantos livros tinham em casa na infância? Já haviam fumado algum dia? Haviam crescido em lares em que as pessoas não falavam sobre os próprios sentimentos? Por uma semana, viveram fora do tempo, olhando para o passado. Mas, assim que Segal se fosse, cada um deles retomaria seu caminho, avançando em direção a um futuro desconhecido, exposto ao acaso. Às vezes falavam em morar juntos; William gostava de pensar que, juntos, os quatro eram mais fortes. Como membros de qualquer outra família, talvez se afastassem e voltassem a se reunir, ou talvez optassem pelo conforto de seus vínculos já estabelecidos. Se já é incomum crescer como um gêmeo, parte de um par primordial, agora cada um deles dispunha de um segundo emparelhamento raro, uma nova oportunidade de desfrutar de um tipo incomum de proximidade. O que esse entrelaçamento – esse duplo emparelhamento – pode significar naquilo que cada um deles vai se tornar ou conseguir na vida?

Para comemorar o encerramento da pesquisa, Segal e Montoya resolveram levar os rapazes a uma famosa churrascaria de Bogotá, dotada de uma ampla pista de dança. Jorge e William revezaram-se dançando com Segal; sorriam animadamente, girando e se contorcendo sem prestar muita atenção ao ritmo. Carlos, sentindo-se em seu ambiente, ensinou alguns passos a Wilber. Dançavam lado a lado, não propriamente em sincronia – Carlos, com segurança, Wilber, atento aos pés e concentrado nos movimentos. Por vezes, erguia os olhos, como se sentisse a dança no corpo – sabia que logo aprenderia. “Wilber leva jeito”, disse Montoya, que o observava da mesa, “só precisa praticar mais.” Quando os irmãos pararam de dançar e foram se sentar para mais um trago de aguardente, começaram a flertar com uma jovem que havia se juntado à comemoração.
No restaurante, Carlos sentia-se seguro, confiante, sereno. À medida que a noite avançou e ele bebeu mais, seus passos foram ficando mais complicados e ousados, até que se pôs a exibir uma coreografia que ele e um amigo haviam inventado: numa contorção da cintura, as costas se inclinam praticamente até o chão, os joelhos dobrados, quase cedendo. Carlos chamava aquele passo de “Matrix”, em homenagem a uma manobra similar que Keanu Reeves, no universo paralelo do filme homônimo, executa para se esquivar das balas. Carlos se torceu tanto que parecia prestes a perder o equilíbrio por completo. Wilber, William e Jorge rapidamente acorreram, ainda dançando, seus rostos expressando uma mescla de emoções: deleite, irritação, preocupação. Carlos não estava caindo, apenas simulava – logo se endireitou sozinho.
A dança prosseguiu como antes. Os quatro pareciam ricochetear um no outro, em diferentes pares e combinações – apartavam-se em busca de mulheres para, depois, tornar a se juntar e trocar impressões antes de voltarem à pista de dança. Eram uma pessoa só, eram duas, eram quatro, fundindo-se, separando-se e tornando a se fundir ao som da música noite adentro.